A estratégia “value investing” funciona no Brasil?

Mercados emergentes são caracterizados por demanda reprimida e concorrência pulverizada. Suas companhias são conhecidas, em regra, pelas histórias de crescimento.  Natural que os investidores busquem, nesses mercados, ações de empresas com potencial de crescimento seja por via orgânica ou consolidação do setor. Esses papéis possuem múltiplos altos e menor propensão a distribuir dividendos. A estratégia oposta, o ”value investing”, é apostar em ações com múltiplos baixos nos quais o preço da ação em relação ao valor contábil ou ao lucro por ação se encontra defasado. Mas será que o “value investing” funciona no Brasil, um mercado emergente?

No último artigo, comentei que a minha tese de Mestrado indicou que os dividendos tiveram poder explicativo sobre a rentabilidade das ações no Brasil nos últimos 20 anos. O modelo também testou um indicador de “value investing” – o múltiplo valor patrimonial (VP) sobre valor de mercado (VM). Ele também apresentou poder explanatório sobre o retorno no período, apresentando forte significância estatística. A relação entre esse indicador e o retorno das ações é positiva, ou seja, quanto maior o indicador, maior o retorno e vice versa.

Papéis com elevado múltiplo VP/VM apresentam preço de mercado depreciado comparado ao valor patrimonial. Esses papéis são classificados como ações de valor (“value stocks”). Ações com alto “dividend yield” (dividendo por ação dividido pela cotação) também podem ser chamadas de “value stocks”, pois apresentam dividendos por ação em magnitude atrativa quando comparados à cotação. Investidores veem as “value stocks” como arriscadas exigindo maior retorno dessas ações. Logo, as ações com elevados “dividend yield” e múltiplo VP/VM deveriam ter maior retorno. Esse padrão observado na regressão também foi observado no outro teste do estudo: o de carteiras, quando as ações foram classificadas em ordem crescente de “dividend yield”.

A carteira III, a de ações com maior “dividend yield”, apresentou também maior múltiplo VP/VM (desconsiderando-se as carteiras sem dividendos (SD)) e maior retorno. Por outro lado, a carteira I de baixo “dividend yield” apresentou menor rentabilidade e menor indicador VP/VM.

E por que as careiras SD tiveram desempenho oposto: alto indicador VP/VM e menor retorno? Nas “value stocks”, os investidores podem ter uma percepção equivocada das perspectivas da companhia o que se reflete na defasagem entre o preço de mercado e valor patrimonial. Contudo, caso essas empresas entreguem resultados operacionais superiores aos esperados, o retorno dessas ações tende a ser extraordinário o que parece ser o caso da carteira III. Por outro lado, as companhias podem efetivamente não entregar resultados operacionais satisfatórios como inicialmente projetado pelos investidores. Isso explica a defasagem entre valor de mercado e patrimonial e múltiplos mais altos, justificando o retorno baixo dessas ações. Esse parece ser o caso da carteira SD para o período de 20 anos: elevado múltiplo VP/VM e baixo retorno médio mensal.

Apesar de o Brasil ser um mercado emergente, a estratégia “value investing” costuma funcionar. Ser vitorioso no mercado acionário brasileiro não se limita a apostar apenas nas estratégias de crescimento. As opções de investimento ao dispor dos investidores são mais amplas do que sugere uma abordagem mais simplista.

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9 Comentários

  1. Boa tarde André, tudo bem?

    Desculpe a ignorância, mas qual a razão do indicador (VP/VM) estar negativo? Todas as companhias incluídas na análise tem dívida maior do que o seu patrimônio?

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