No segundo semestre de 2004, a Telefônica – ainda apenas uma operadora de telefonia fixa, antes da consolidação com a Vivo – aumentou os dividendos distribuídos. Suas ações, que negociavam com desconto em relação às da Telemar (atual Oi) com base no múltiplo FV/Ebitda, se apreciaram. Na época, trabalhando como analista e “portfolio manager” na gestora do BankBoston, suspeitei que aquela valorização decorresse principalmente da elevação do retorno com dividendos (“dividend yield”). Mas não tinha como provar, pois poderia ser derivada de outras razões.
Carreguei essa dúvida por quase 15 anos. Minha dissertação do Mestrado em Economia do FGV/EPGE confirmou a minha suspeita: o “dividend yield” influencia o retorno das ações das empresas brasileiras. Por que isso ocorre? O fim da isenção fiscal dos dividendos estudada pelo ministro Paulo Guedes pode afetar o retorno das ações brasileiras?
O que realmente impacta o preço das ações?
No consagrado modelo CAPM, o único fator que afeta o retorno é o beta, medida da volatilidade de uma ação individual em relação ao mercado. Muitos anos depois, Eugene Fama e Kenneth French resolveram testar empiricamente se o beta realmente explicava o retorno extraordinário das ações. Concluíram que não. O que afetava o retorno das ações era o tamanho da empresa e o indicador valor patrimonial (VP) sobre valor de mercado (VM). Quanto menor a companhia, maior tendia a ser o retorno e quanto maior o múltiplo, maior o retorno. Posteriormente, outros autores e mesmo Fama e French ampliaram o modelo para incluir outros fatores como “momentum”, liquidez e rentabilidade, por exemplo.
Fustigado pela minha dúvida que já virava debutante, resolvi agregar ao modelo original de Fama e French de três fatores (beta, tamanho e múltiplo VP/VM), dois outros indicadores: o “dividend yield” e o “payout ratio”.
As variáveis foram coletadas em um período de 20 anos compreendido entre julho/98 a junho/18 com 1.254 observações. A regressão chegou às mesmas conclusões de Fama e French em relação ao tamanho, múltiplo VP/VM e beta. O “dividend yield” apresentou forte significância estatística a 1% confirmando o meu pressentimento no caso da Telefônica. Já o “payout ratio” só foi relevante quando a regressão era rodada excluindo-se os anos recessivos.
Outro teste foi formar anualmente quatro carteiras selecionadas por ordem crescente de “dividend yield”, sendo a primeira composta por ações que não pagaram dividendos no exercício (SD). A carteira com maior “dividend yield” (III), em média, foi a de maior retorno (e maior “payout ratio”), corroborando minha suspeita inicial.
Mas por que os dividendos influenciam o retorno das ações brasileiras? Minha dissertação não responde a questão. Necessita-se de estudos adicionais (tenho interesse de pesquisar a respeito!), mas podem-se levantar algumas hipóteses.
A primeira é a de que “dividend yield” elevado gera maior retorno devido à fragilidade da governança corporativa nas companhias brasileiras. Frank Easterbrook mostrou que a distribuição dos resultados pode mitigar conflitos de agência ao reduzir o caixa disponível das companhias a disposição dos administradores, levando-os a buscar recursos no mercado quando passam a ser supervisionados por analistas de ações e credores. Deixar dinheiro nas mãos dos administradores não é bom negócio. Contudo, não basta a distribuição de dividendos. O investidor escolhe tais empresas desde que o “dividend yield” seja atrativo.
A segunda é a de que o maior retorno das ações de alto “dividend yield” no Brasil pode ser devido ao benefício fiscal dos dividendos. Edwin Elton e Martin Gruber mostraram que a política de remuneração do acionista leva em conta regras tributárias. Como no Brasil os dividendos são isentos, as companhias apresentam maior propensão a distribuir proventos o que eleva o “dividend yield”.
Paulo Guedes tem estudado o fim da isenção fiscal dos dividendos e a eliminação do benefício fiscal dos juros sobre o capital próprio para as companhias. Essas medidas podem reduzir a distribuição dos dividendos e, por consequência, o retorno das ações. Gestores de fundos de investimentos que adotam a estratégia de selecionar seus ativos tomando por base os dividendos podem ver suas táticas fracassarem.
O dividendo não é o único fator que afeta o retorno das ações brasileiras, mas sem dúvida é um dos mais importantes. Com base no estudo, isso não é mais uma suposição, mas um fato.
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Olá!
No seu estudo foi levado em consideração a distribuição de juros sobre capital próprio?
Abraço
Boa pergunta, Isaac. Sim, foram considerados.
Boa tarde!
O seu estudo pode explicar – em parte – o sucesso dos investidores LUIZ BARSI FILHO e DÉCIO BAZIN no Brasil. Eles filtravam ações basicamente por yield e saúde financeira (baixo endividamento).
Já pensou a respeito?
Sim, a questão é que o “dividend yield” é apenas um dos fatores que influencia o preço da ação. Mas há diversos outros. Por exemplo, ações de crescimento em regra não são boas pagadoras de dividendos, mas podem ter boa performance. As ações da Apple são um exemplo.
Por isso, mais do que apostar em apenas um fator, vale montar uma carteira diversificada.
Abraços, Andre
Andre, boa tarde.
Uma duvida, o que aconteceria se montasse uma carteira com empresas de alto payout? Ja que o yield muda muito em função do preço. Qual seria o resultado?
Oi João
No estudo, selecionei as carteiras por ordem crescente de DY e não payout ratio. No período analisado, carteiras selecionadas com alto DY também apresentavam alto payout ratio. Logo, o inverso tenderia a ser verdadeiro carteiras formadas por alto payout tenderiam a ter elevado DY.
Abraços, Andre
André, parabéns pelos excelentes textos que produz.
Eu fiz algumas simulações (modelos bastantes simples) para testar o assunto. Reconheço o baixo rigor. Se você simular tributação sobre dividendos (fluxo de caixa ao acionista) “ceteris paribus”, a redução no valor nominal dos fluxos de caixa ao acionista deverá, necessariamente, reduzir o valor justo dos investimentos pautados em dividendos. Por outro lado, me parece que a proposta do Paulo Guedes não altera somente a tributação sobre os fluxos, mas pretende reduzir a alíquota efetiva paga pelas empresas sobre o lucro tributável, de forma a incentivar o reinvestimento dos resultados nas operações. Assim, o sucesso dessa política deverá o que reduzir o payout médio, impactando positivamente o crescimento orgânico (g) dos lucros e do patrimônio líquido, posto que g = ROE x ( 1 – PayOut%). Ou seja a tendência, é que o investidor passe a perceber maior retorno via ganho de capital, até como resultado natural de maior crescimento de patrimônio líquido. Acredito, inclusive em uma compressão da relação VM/VP.
Resulta disso desta análise, que o impacto dependerá da combinação efetiva entre a taxação dos fluxos de desinvestimento (JCP e Dividendos) e da taxação efetiva sobre o lucro tributável.
É claro, que existem empresa que distribuem dividendos porque não possuem melhores aplicações para os recursos. Essas sim, certamente, terão valor de mercado reduzido, pressupondo-se mesma alíquota para ganhos de capital e dividendos. Mas, reconheço, não testei essa hipótese.
Gostaria de ouvir sua opinião.
Um forte abraço.
Thiago Tessarolo Souza, CFA
Oi Thiago, acho que a sua observação em linhas gerais é válida.
Deverá realmente haver maior retenção do lucro com a introdução da alíquota sobre dividendos, mas isso não necessariamente aumentará os investimentos. Esses não atendem apenas à regra tributária, mas também às expectativas de crescimento.
Dessa forma, caso não haja investimentos atrativos, as cias tendem a efetuar recompra de ações ao invés de pagar dividendos. Contudo, como existe um limite para recompras, pode se imaginar uma redução do preço do equity dado o decréscimo do numerador na fórmula de Gordon. Além disso, a manutenção do dinheiro em caixa, por sua vez, elevará o WACC, reduzindo o valor da firma
Será necessário que a introdução da alíquota de dividendos seja totalmente compensada pela redução do IRPJ para o efeito ser neutro.
Abraços, André
André, obrigado por responder aos meus comentários. Realmente, acho difícil que o impacto seja neutro no final das contas. Por outro lado, como o mercado trabalha à frente, é possível que a política esteja ao menos parcialmente precificada. Enfim…
Um abraço. Atenciosamente,
Thiago Tessarolo Souza, CFA.
Poderia disponibilizar sua tese em pdf? Ou deixar pelo menos o link? Sou estudante de Economia e achaei muito interessante.
Oi Pedro, ovrigado
Segue o link: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/27257
Bom dia.
Acompanho a discussão sobre cobrança de imposto sobre “Lucros e Dividendos”, e vejo, formulas complexas sendo pensadas, porque o governo não quer ou não pode perder arrecadação, e ao mesmo tempo entende que simplesmente criar o novo imposto e somar a atual carga que já incide sobre os lucros das empresas, pode ocasionar um desestímulo muito alto ao investidores.
Daí pegunto, não seria simplesmente o caso de manter o imposto sobre os lucros da empresa como está, e ao criarem uma alíquota sobre o pagamento de dividendos, simplesmente a empresa recolheria na fonte ao distribuir o lucro que decidisse distribuir, eu usaria este valor valor que foi recolhido e descontado do lucro distribuído ao acionista, como crédito junto ao valor que ela teria que pagar de imposto sobre o lucro.
Então o valor que o imposto que o governo atualmente recebe, não teria nenhuma variação, e parte dele como querem, seriam pagos pelos acionistas.
Geralmente penso que tenho o pensamento simples demais, para a complexidade do modo de pensar da nossa cultura latina.(rs)
Uma dúvida: se forem taxados os dividendos, não haverá uma dupla tributação? Pois a empresa já pagou os impostos, distribuiu um pedaço dos lucros e aí o investidor vai pagar imposto em cima disso novamente?
Tecnicamente não porque o fato gerador de um é o lucro e o outro a disponibilidade de renda ao investidor.