Quem já leu o prospecto de abertura de capital de uma empresa deve ter se deparado com a seção denominada “Destinação dos Recursos” no qual a empresa informa como aplicará o dinheiro arrecado dos investidores. Boa parte das companhias diz que utilizará os recursos para consolidar o seu segmento de atuação por intermédio da compra de concorrentes. Contudo, os últimos julgamentos do CADE, órgão de defesa da concorrência, têm proibido ou restringido a aquisição de empresas por companhias do mesmo setor.
Os IPOS (abertura de capital em inglês) e a emissão subsequente de ações (quando as empresas já são listadas) se tornaram comuns no Brasil a partir de 2004. Os três destinos mais comuns para a alocação do dinheiro dos investidores são: (i) a aquisição de empresas do mesmo segmento para reduzir a pulverização do setor, (ii) o financiamento dos investimentos orgânicos e (iii) a redução do endividamento. Empresas como a Totvs, do segmento de software corporativo, o laboratório Dasa e a de educação Kroton são bons exemplos de companhias que conseguiram aumentar de tamanho com a capitalização feita em bolsa, adquirindo rivais.
Contudo, o CADE tem sido mais rigoroso em tempos recentes, proibindo algumas operações como, por exemplo, a aquisição da Anhanguera pela Kroton, a compra da distribuidora de gás Liquigás pela Ultragaz e a dos postos de combustíveis Alesat pela Ipiranga. Ultragaz e Ipiranga são subsidiárias da Ultrapar, companhia com ações em bolsa.
A principal preocupação do CADE em operações de fusão, incorporação ou aquisição é a de que o ato de concentração leve a um incremento do poder de mercado da empresa adquirente. O poder de mercado é mensurado pela possibilidade dessa empresa impor aumento de preços pós-fusão, reduzindo o bem estar social, pois parte dos consumidores passam a não conseguir consumir o produto.
O CADE analisa as operações por diversos ângulos. Um deles é o “market share”. Em outras palavras, qual a parcela da demanda do produto é atendida pelas companhias. Uma das métricas é o HHI (Herfindahl–Hirschman Index) que equivale ao somatório do “market share” elevado ao quadrado das empresas do setor. Um valor superior a 1.875 indica indícios de concentração econômica com danos à competição. O CADE também deve proceder outras análises caso a diferença entre o novo HHI do mercado e o anterior seja maior do que 200. caso.
Contudo, nem sempre uma operação de concentração gerará dano à competição mesmo que aqueles indicadores sejam alcançados. Uma indústria com baixa barreira à entrada a novas empresas pode mitigar o incentivo ao aumento de preços da companhia fusionada. Um mercado possui baixa barreira caso possua algumas particularidades: a tecnologia ser acessível aos novos entrantes, o investimento para o início de a operação ser baixo e demandar um tempo razoável para as empresas existentes se adequarem a entrada dos iniciantes. Além disso, podem ocorrer sinergias técnicas entre as fusionadas que propiciam redução de custos seja porque existem economias de escala (aumento da produção sem aumento dos custos fixos) ou de escopo (quando a mesma planta passa a ser utilizada também para produção de novos produtos). Outro aspecto que pode impedir o aumento de preços é o poder de compra
dos consumidores. Caso a sensibilidade ao incremento do preço seja alta, a nova empresa terá dificuldade de impor um reajuste de preço. A pulverização do mercado e a capacidade ociosa dos rivais também podem reduzir o poder de mercado da companhia fusionada.
Outro aspecto abordado pelo CADE é a relação de substituição entre os produtos das empresas fusionadas, também chamada de taxa de desvio. Em outras palavras, quanto da demanda da empresa 1 irá para empresa 2 caso haja um aumento de preço do produto da empresa 1. Quanto maior for a taxa de desvio, maior será o incentivo pra aumento de preços pós fusão.
O número de IPOs deve aumentar com a melhora da economia. Como praxe, a maioria das novas empresas informará em seus prospectos que a consolidação do setor será o destino de boa parte dos recursos levantados na oferta. Por isso, analistas de mercado e investidores devem incluir o estudo sobre concentração econômica em suas análises. Esse tema não pode ficar restrito aos escritórios de advocacia e às consultorias especializadas no assunto.
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Muito interessante saber quais são as premissas utilizadas pelo CADE para analisar uma aquisição dentro de um mesmo segmento!
Fico curioso, no entanto, com essa mega fusão entre Fibria e Suzano, e sobre qual linha de pensamento irá nortear a decisão do órgão.
Trata-se de aquisição dentro do mesmo segmento; em um mercado de difícil entrada para novos “players” pela necessidade massiva de terras e capital. E haverá forte concentração de uma empresa em um segmento, por exemplo.
Por outro lado, deverá haver diminuição no custo de produção da poupa de celulose, pela nova integração entre fábricas e florestas. A nova organização é eminentemente exportadora, e o produto é uma commodity industrial, que será usada como matéria prima para produtos mais nobres.
Como será que o CADE vai decidir essa???