O que Cournot pode ensinar a Fibria e a Suzano?

A recuperação da economia brasileira ainda se encontra tímida. Contudo, um setor importante para o país caminha altaneiro, alheio à crise: o de celulose. O preço do produto subiu ao redor de 50% desde abril passado e as ações das empresas listadas em bola apresentaram significativa valorização. Os papéis da Fibria (FIBR3), a maior fabricante do mundo, dobrou de preço no mesmo período. Por que o setor está aquecido se produz a matéria prima de um bem considerado obsoleto, o papel? Esse bom momento tende a continuar? As estratégias de crescimento a serem adotadas pelas empresas terão papel crucial no desempenho futuro do setor.

Na moderna economia, uma nova tecnologia pode desestruturar o modelo de negócios de todo um setor. As indústrias da música, do transporte urbano e da mídia ainda sentem os reflexos do avanço de aplicativos e da internet que possibilitaram o aparecimento de novos competidores, reduzindo significativamente a margem dessas indústrias. Analistas esperavam enredo parecido para o setor de celulose. Com o mundo virtual presente nas telas de celulares, computadores e “tablets”, o ato de imprimir se tornaria obsoleto. O papel se tornaria um produto datado. Embora a mídia impressa esteja sofrendo, não parece que “e-books” estejam tendo vida fácil. A funcionalidade e praticidade do centenário livro impresso impedem a maior disseminação do competidor digital. Além disso, quanto mais informação chega ao indivíduo, maior a probabilidade de que parte do conteúdo seja impressa. Quem nunca imprimiu algum texto ou notícia para ler depois? Contudo, a disseminação de novos usos é a principal responsável pelo aumento da demanda por celulose. O papel ondulado é muito utilizado em pacotes no e-commerce, segmento que apresenta taxa de crescimento elevada. A economia mundial também está crescendo o que contribui para a procura por celulose. O atual inverno chinês, período sazonalmente de demanda fraca, parece não ter tido forças para reduzir o preço esse ano.

O Brasil possui diversas plantas de produção de celulose, detendo o menor custo de produção do mundo. Fibria, de capital pulverizado; Suzano, de capital nacional, a agora canadense Eldorado e a chilena CMPC são as principais companhias. Com a demanda aquecida, as empresas estudam aumentar a capacidade produtiva seja por intermédio de consolidação ou crescimento orgânico. Na divulgação dos resultados do 4º trimestre de 2017, Marcelo Castelli, presidente da Fibria, disse que a prioridade seria a consolidação. Por que essa é a estratégia mais adequada?

O setor de celulose é composto por empresas oligopolistas que produzem um bem homogêneo, ou seja, sem diferenciação. As firmas tentam maximizar seus lucros definindo a quantidade a ser produzida com base na quantidade produzida pelas outras firmas. A decisão de uma firma depende da estratégia dos outros agentes. A competição não acontece via preço. As empresas não conseguem impor o preço de forma absoluta, pois os clientes são, em regra, indiferentes sobre de qual fornecedor comprar. Esse tipo de concorrência é analisado pelo modelo Cournot.

A líder do setor é a Fibria com capacidade de cerca de oito milhões de toneladas anuais, considerando o acordo para venda de 900 mil toneladas da Klabin. Mas mesmo ela tem dificuldades de impor preços. A quantidade total ofertada pelo setor é crucial para a definição do preço da celulose. Paradas não programadas da planta Oki da asiática APP e na CMPC contribuíram para o incremento do preço da celulose em 2017, corroborando a teoria.

O momento é delicado, pois ao menos três empresas já anunciaram a intenção de aumentar sua produção. A Fibria realiza estudos para a implantação da 3ª planta em Três Lagoas. A Suzano adquiriu na última semana 9,5 mil hectares de florestas da Duratex e, possui, ainda, a possibilidade de adquirir outros 20 mil hectares até julho. Seu conselho analisará a viabilidade de novas plantas. Por fim, há rumores de que a Eldorado com novo controlador também estaria pensando em aumentar a produção.

Esse aumento da quantidade produzida tende a afetar o preço da celulose no médio prazo. Por isso, o presidente da Fibria tem como prioridade a consolidação do setor para que a expansão da capacidade se dê de forma racional. A descoordenação prevaleceu no último ciclo de expansão. A crise financeira vivida pela gigante Aracruz (uma das empresas que deu origem à Fibria) no fim da última década, aliada ao dinheiro farto e barato do BNDES, possibilitou a criação da Eldorado e o investimento no Projeto Puma da Klabin. A indonésia APP também aumentou sua produção.

A fim de evitar destruição de valor para os acionistas, a consolidação do setor é o melhor caminho para evitar a sobreoferta. Como Antoine Cournot ensinou, ainda no século XIX, uma firma sozinha tem dificuldades de impor preços em mercados de produtos comoditizados. A quantidade produzida total é a variável central na formação dos preços dada a demanda constante. O bom momento vivido pelo setor pode ser ainda mais duradouro. Mas para isso, dependerá da coordenação entre as empresas.

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23 Comentários

  1. Excelente artigo! Muito bom ver a aplicabilidade de algo com um arcabouço teórico hermético como a Teoria dos Jogos numa situação comum de competição entre empresas.

    Parabéns ao autor!

    1. Com menos players, o mercado fica mais racional. Mas isso não significa que haja conluio. A redução do número de players não necessariamente leva a aumento de preço.

      Um mercado descoordenado não é eficiente economicamente. Gera investimentos pouco produtivos e desperdício de recursos. Haja visto os investimentos desnecessários ocorridos no governo Dilma (montadoras, etc), fruto de dinheiro farto e barato. Hoje muitas empresas vivem com capacidade instalada muito acima da demanda. Desperdício de recursos que poderiam ter sido destinados a outros setores econômicos, aumentando o bem estar social.

  2. Mas, no caso, a grande demanda da celulose brasileira não é para fabricação de papel de impressão e sim de papel higiênico, papel toalha, absorventes e fraudas, ou seja, para produtos da indústria de higiene. Isso porque em países em desenvolvimento, principalmente asiáticos, o consumo per capita desse tipo de produto ainda é baixo.
    Abraço

    1. Ah, e além disso, fábricas em países desenvolvidos estão se tornando obsoletas. Por se tratar de uma indústria dependente da matéria-prima (madeira), não há interesse de investimento naqueles países, abrindo oportunidade para países como o Brasil, que possuem área para plantação.

    2. Oi Natalia,

      Seus comentários são pertinentes e foram abordados por outros leitores. Por questão de espaço, não tive como abordar as especificidades de cada tipo de celulose.

      Suzano e Klabin possuem uma capacidade de produção significativa de celulose para impressão e escrita.

      Obrigado pela contribuição. Somou ao artigo.

  3. Excelente análise. Parabéns ao autor. Registro, todavia, que a demanda internacional por “tissue paper” (produzido com celulose fibra curta: leia-se, madeira de Eucalyptus) parece ser crescente.
    att.,

  4. O artigo é interessante do ponto de vista econômico ao retratar o equilíbrio entre oferta e demanda no mercado de celulose. No entanto, ao considerar a celulose de fibra curta e fibra longa como uma coisa só ( mencionando papel para imprimir e escrever e papelão ondulado em embalagens como “celulose”, por exemplo) faz uma análise muito simplista do mercado e tendências futuras.
    As empresas e os planos de expansão citados se referem basicamente a celulose BHKP, apesar de comentar o uso com fins sanitários ( tissue/fluff), sem segregar que a origem de fibras longas/curtas. O driver desta demanda BHKP, o crescimento chines, de fato representa grande parte do consumo e das expansões citadas, justificando a capacidade instalada próxima ou superior a demanda, mas é importante diferenciar os segmentos e retratar o setor com precisão. A líder de mercado mundial e com grande participação no Brasil e Mundo, International Paper, sequer foi citada. Se o intuito foi explicar o comportamento de mercado de maneira geral e fazer um paralelo com teoria econômica , ótimo, mas ainda acho que deveria contemplar outros aspectos, como os mencionados acima na mensagem.

    Obrigado

    1. Alessandro, sua crítica é pertinente, mas por motivos de espaço não teria como como abordar os diversos aspectos do segmento.

      A ideia foi apenas conciliar a teoria econômica (principalmente Teoria dos Jogos) com o mundo real. A tentativa de trazer ideias abstratas para o mundo prático. E, por fim, reforçar que a consolidação do setor possui racionalidade econômica.

      Cada segmento, BHKP e BSKP, possui tendências distintas. Por sua vez, Klabin, por exemplo, aposta no fluff devido ao envelhecimento da população. Existem diversas abordagens. Quem sabe em outro artigo.

      Obrigado pela contribuição. Somou ao artigo.

      Abraços

  5. André,
    A analise do setor foi muito superficial para determinar que papel é um produto obsoleto.
    As aplicações de celulose e de papel são muito mais amplas e variadas do que “papel de imprimir e escrever”.
    Em uma de suas respostas, você afirma que a Klabin tem como principal produto papel de imprimir e escrever, o que não é nem de perto a verdade.

    1. Helio,

      O forte na Klabin é o papel ondulado. Mas há capacidade instalada de 750 mil toneladas para papel e conversão onde entram papel de cartões.

      No comentário a outro leitor, coloquei que Klabin possui “capacidade significativa” e não “principal produto”.

      Além disso, coloquei do uso que se dissemina no e-commerce sobre o uso de papel de embalagem. Logo, não foquei apenas em “papel para imprimir e escrever”.

      E, por fim, o foco era sobre os benefícios da consolidação do setor.

      Abraços

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