O gestor brasileiro é mesmo eficiente?

Warren Buffett, o mítico investidor americano, já recomendou aos investidores aplicarem em produtos com gestão passiva, ou seja, aqueles cujas carteiras apenas repliquem índices de mercado. Exemplo típico desses produtos são os ETFs (Exchanged Traded Funds). Esses fundos possuem composição idêntica à dos índices de mercado. Por exemplo, o PIBB11 espelha o IBrX-50 e o BOVA11 segue o Ibovespa. No caso do primeiro, por intermédio de um único ativo se adquire automaticamente 50 ações. Mas a recomendação de Buffett vale para o mercado brasileiro?

Segundo reportagens publicadas pelo Valor nos últimos tempos, a resposta seria não.  Em outubro do ano passado, a matéria “Gestão ativa bate ganhos do Ibovespa no longo prazo” contradiz a afirmação de Buffett para o mercado brasileiro. A Tag Investimentos, após fazer a análise de 95 fundos de ações de gestão ativa, verificou que 86% deles ganharam do Ibovespa em um horizonte de 36 meses. Em um período mais curto, de 24 meses, a rentabilidade de 69% deles ficou acima do Ibovespa.

Contudo, essa não foi a única matéria que indicou a eficiência do gestor local. Em 6 de abril último, reportagem de Luciana Seabra chega a mesma conclusão: “Gestores de ações são mais eficientes no Brasil”. Estudo da S&P analisou 800 fundos de ações latinos. 57% dos brasileiros bateram o S&P Brazil BMI em 2015, índice que reflete uma carteira de ações brasileiras. Em três anos, os fundos vitoriosos representaram 38% do total e, em cinco anos, 43%.  Em países vizinhos, os gestores são bem menos eficientes. No México, apenas 18% dos fundos bateram o S&P em cinco anos e no Chile, nenhum gestor superou o S&P índices Versus Active (SPIVA) América Latina. Os gestores brasileiros também fazem bonito frente aos norte-americanos. Em 2015, apenas 25% desses fundos superaram o S&P Composite 1500. Em três anos, os vitoriosos caíram a 19% do total e em cinco anos a 12%. Os gestores pátrios possuem melhor performance também do que franceses, dinamarqueses, holandeses, poloneses, espanhóis, suecos e suíços em cinco anos. Apenas italianos e ingleses superam os brasileiros no mesmo período de tempo.

Com base nesses resultados, cabe a pergunta: por que o gestor brasileiro possui desempenho tão destacado?

A lógica de Buffett para privilegiar os gestores passivos é a de que os mercados são eficientes, especialmente no longo prazo. Em outras palavras, o preço de mercado de uma empresa tende a alcançar o seu valor justo em prazos mais longos. Logo, a ausência de distorções entre o preço de mercado e o preço justo, especialmente em prazos mais dilatados, impede que um gestor se destaque.

Logo, uma possível explicação para o bom desempenho dos gestores locais seria a de que o mercado acionário brasileiro não é eficiente proporcionando distorções de preços e oportunidades de ganhos aos gestores.

A tese de que o mercado local não é eficiente foi adotada pela Aneel para cálculo do custo de capital na revisão periódica das tarifas das distribuidoras de energia. Segundo a agência, o mercado acionário não seria um bom parâmetro devido, entre outros motivos, à concentração em poucas atividades dos principais índices de referência do mercado acionário brasileiro, dentre esses o Ibovespa.

A nota técnica da Aneel destacou que da carteira teórica de final de abril de 2014 do Ibovespa, do IBrX 50, do IBrX 100 e do IBrA, o peso de cinco papéis (Petrobras, Itaú, Itaúsa, Vale e Bradesco), representava 41,6%, 46,8%, 40,9% e 38,4%, respectivamente.

É na concentração dos índices em poucos papéis que reside, a meu ver, o desempenho extraordinário dos gestores brasileiros. Por exemplo, nos últimos anos, Petrobras se viu envolvida em escândalos e má gestão que impactaram negativamente seus resultados. Era quase consenso que ter uma posição de Petrobras inferior à do papel no índice geraria uma rentabilidade extra. Os mais corajosos chegaram a zerar a sua participação nas ações da companhia.

Além disso, nos últimos anos, a economia chinesa vem desacelerando. Com isso, os preços de várias commodities caíram o que afetou a cotação de Vale. Embora uma aposta menos óbvia do que a de Petrobras, não possuir ações da Vale também passou a ser uma forma de obter ganhos sobre o Ibovespa.

Uma terceira alternativa foi se manter afastado de ações de empresas estatais. O governo Dilma mostrou-se extremamente intervencionista o que prejudicou não só os papéis de Petrobras, mas também as ações de Eletrobras.

De tempos em tempos, essa concentração gera oportunidades claras para os gestores. No passado, foi Embratel, recentemente Petrobras. E assim, os gestores locais vão reforçando seu prestígio. Esse bom desempenho se deve a qualidade dos gestores ou a má composição dos índices?

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15 Comentários

  1. André,

    Além de Petrobrás, Vale e as estatais, afetadas pela queda das commodities e desmandos do governo… como a pesquisa engloba 3 anos, faltou mencionar o fator Eike Batista. Acredito que se ele fosse dinamarquês, os gestores de lá, também bateriam com mais facilidade o índice local de ações.

    Sem desmerecer os gestores locais…

    Abraço
    Bruno

  2. Andre. Tenho analisado alguns fundos ativos de renda variável e identifiquei que alguns mantiveram valor expressivo do fundo em caixa, ganhando o CDI. Isso certamente contribuiu para melhorar a performance, dependendo do volume desse caixa. Entretanto, concordo com a tese de que os gestores brasileiros são mais ativos e conseguem performance superior ao índice. Mas em 2015 o caixa fez diferença em alguns casos.

    1. Nesse caso João, o gestor age ativamente ao considerar que o caixa remunerado a juros renderá mais do que o mercado acionário.

      Existe uma discussão conceitual se o gestor “pode” adotar essa postura, pois, em tese, o investidor quando alocou seus recursos em renda variável quer estar exposto a esse ativo e não a caixa. Há correntes que defendem a discricionariedade do gestor e outros que consideram que o gestor deve atrelar os recursos do fundo em renda variável, deixando apenas uma pequena parcela em caixa para atender a possíveis resgates.

  3. André, ótimo texto.

    Porém, na frase: “A lógica de Buffett para privilegiar os gestores ativos é a de que os mercados são eficientes …” você não quis dizer passivos (ao invés de ativos) ?

    Abs

  4. Os gestores de ações brasileiros são eficientes ou nossos índices são ruins? Some aos casos que você citou: OGX, setor de construção civil , ausência desses papeis nas carteiras nos últimos anos também gerou alfa para os gestores. Do outro lado no ano passado tivemos uma alta de quase 50% no câmbio, que também ajudou no descolamento dos índices.
    Não acredito que seja sorte, mas dado o menor tamanho do mercado local, aqueles gestores que pegam alguns movimentos pontuais e Carteiras que evitam algumas ações ou setores por ano destacam-se.
    Já no mercado americano, como o benchmark é mais amplo (500 ações) carteiras ditas mais concentradas ainda podem ter cerca de 100 ações. Situação impossível no mercado local !

  5. Prezado André,

    Parabéns por mais um post vindo de uma boa observação. Além de todas as indicações de fundos que bateram o Ibovespa, é fácil encontrar outros analistas que também bateram o índice. A carteira do Valor é um exemplo, bem como, as carteiras recomendadas de vários bancos e corretoras.

    Do ponto de vista do investidor, me parece que para quem aloca nos EUA é fácil pensar em colocar em um fundo passivo, pois a certeza de valorizar mais que títulos de juros/dívida, no longo prazo, é grande.

    Para quem aloca no Brasil o cenário é desafiador, pois ter um desempenho maior que o Ibovespa não é difícil, como mostra seu post, mas bater a renda-fixa (RF) é quase impossível. Ao mesmo tempo, me parece injusto querer analisar o gestor de ações versus a RF. Também há a distorção da taxa de performance: com não é difícil bater o Ibovespa, não é impossível pensar que o investidor pagará taxa de performance mesmo tendo desempenho menor que a inflação do período.

    Enfim, o almoço quase grátis do investidor brasileiro é o juro astronômico. Como tantas outras coisas que não funcionam bem no país, a metodologia do índice e o mercado de capitais não ajudam o investidor nem o próprio mercado.

    Abs.,

    Fernando Lameirinhas

  6. Caro André e companheiros; em minha míope visão, o mercado de ações no Brasil é tão, tão pequeno, e há alguns poucos mas muito grandes gestores (em valor), que estes, levam a “manada” para o lado que interessa.
    Isso não só em “ativos” mas até em ágios ou deságios nos títulos Públicos.
    Nosso mercado é tão pequeno em papeis, e há concentração tão grande de valores nas mãos de poucos gestores, que “ou você está com eles ou você aposta na sorte”.
    Para esta visão, nossos gestores não são melhores que os outros; porém se olharmos por outro lado os bons resultados que têm sido obtidos, diríamos que sim são tão nos quanto os outros pois conseguem fazer o mercado migrar de um lado para outro “sempre ganhando”; é claro que se alguém ganha, alguém perde; que podem ser os pequenos gestores ou os investidores que não migram conforme as tendências impostas (ou sugerida a seus clientes preferenciais) por estes gestores.
    Forte abraço.

  7. Nobre André, tudo joia?

    Ja li inumeras estudos sobre gestores ativos frente ao benchmark, mas poucas delas tratam sobre assets que deixaram de existir ou que se fundiram a outros fundos.

    Será que nestas pesquisas não temos efeito de preenchimento e resultados sejam diferentes?

    Grande abraço!

    1. Oi Ronan

      Bom ponto. Nessas pesquisas, ocorre o viés do sobrevivente, pois gestoras que tiveram performances negativas podem ter deixado de existir. Contudo, isso não invalida a pesquisa de que o país possui “melhores gestores”, pois esse viés também ocorre nos outros países.

      Abraço

      André Rocha

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