A substituição do presidente do BTG Pactual, André Esteves, possui semelhanças com a destituição do controlador do antigo Pactual, Luiz Cezar Fernandes, ocorrida há 16 anos. Por que esses eventos se parecem?
Há histórias marcantes. E existem livros e reportagens que as tornam ainda mais interessantes. Ao deparar-me com a crise do BTG Pactual, lembrei-me de uma reportagem da revista Piauí de 2006 — “De elefante a formiga” — que abordava a atual vida bucólica de Luiz Cezar Fernandes em contraposição ao seu glorioso passado de banqueiro.
Fernandes veio de berço de classe média como Esteves. Após trabalhar em funções burocráticas em algumas instituições financeiras, foi contratado em 1970 pela corretora Libra, onde conheceu Jorge Paulo Lemann. Em 1971, Lemann fundou a corretora Garantia e o convidou a se juntar à sociedade. A remuneração baseada em desempenho alçou-o à riqueza. O Garantia se tornou uma instituição mítica do sistema financeiro nacional por conta de seus critérios de meritocracia na remuneração, do sistema de “partnership” e da inovação em produtos financeiros e práticas de mercado como a introdução do sistema de custódia.
Fernandes desligou-se da instituição em 1982. A reportagem alega que as desavenças com os demais sócios ocorriam devido à sua participação societária relevante apesar da formação educacional inferior, à sua indisciplina e pelo fato de ter relações com altos funcionários públicos.
Quase em seguida, Fernandes funda o Pactual juntamente com os economistas Paulo Guedes e André Jakurski. O crescimento foi vertiginoso. De um capital inicial de US$ 200 mil em 1983, a instituição foi vendida para o suíço UBS em 2006 por US$ 2,6 bilhões. Com o crescimento do Pactual, o número de sócios foi aumentando. Entre esses, destaque para André Esteves.
A vontade de seguir os passos de Lemann, que já atuava na economia real a partir da aquisição das Lojas Americanas e da cervejeira Brahma, fez com que o Pactual, no início da década de 90, passasse a atuar na reestruturação de empresas problemáticas como a companhia aérea Varig, a varejista Mesbla e a fabricante de chocolates Lacta.
Fernandes queria que o Pactual passasse a ter participação em empresas como a GP Participações, de Lemann, mas os outros sócios foram contrários. Com isso, ele criou a holding Latinpart para investir por conta própria em empresas não financeiras.
As investidas — Indústrias Têxteis Berberá (Teba), a fabricantes de embalagens Overprint e a de processamento de suco de laranjas Citromatão — revelaram-se fracassos, gerando um rombo nas finanças de Fernandes que recorreu a seus sócios no Pactual para se financiar. Eles aceitaram, mas desde que Fernandes vendesse sua participação, o que acabou retirando-lhe o controle do banco.
Aqui a história de Fernandes começa a se parecer com a de Esteves. Após recomprar o banco do UBS, Esteves abriu seu capital em 2012.
Na minha análise sobre o IPO em abril daquele ano, alertei que a tese de investimento do BTG Pactual não era para investidores que buscassem ações depreciadas, pois as units do banco nasciam com preço esticado e o lucro tenderia a ser mais volátil devido “às atividades de banco de investimento, que possuem maior sensibilidade ao PIB”.
Se Esteves foi contrário no antigo Pactual ao investimento em empresas da economia real, foi convencido do contrário. Embora tenha havido bons investimentos como os hospitais Rede D’Or, cuja participação já foi vendida, e a rede de estacionamentos Estapar, ainda à venda,os fundos do BTG Pactual investiram com recursos próprios e/ou de terceiros em empresas que têm apresentado problemas financeiros sérios como a drogaria BR Pharma, a empresa do setor de petróleo Sete Brasil, a Estre Ambiental e a rede varejista Leader. Outras ainda dão prejuízo como o banco Pan e a incorporadora BR Properties.
Com a crise, Esteves deixou as presidências executiva, do Conselho e do controle do BTG Pactual. Há semelhanças entre os casos de Esteves e Fernandes.
Ambos não vieram de berço de ouro e venceram como banqueiros. A causa do insucesso de Fernandes lembra o que ocorreu com Esteves agora: o envolvimento em investimentos malsucedidos em companhias da economia real. A dinâmica e a capacidade de gerenciamento dessas empresas são distintas das exigidas por instituições financeiras. Além disso, como disse anteriormente, as atividades dessas empresas são muito mais dependentes do desempenho do PIB. Mesmo Lemann, vitorioso na Ambev e em tantas outras investidas, colecionou fracassos como Telemar (atual Oi), Hopi Hari, supermercados ABC e nas ferroviárias ALL e CSX.
A volatilidade do resultado operacional das empresas da economia real torna o preço de suas ações mais voláteis do que as dos bancos. As ações do BTG Pactual acabaram sendo impactadas pelo resultado dessas companhias e não pela atividade bancária.
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Perfeito !
Diversificar portfólio reduz riscos. Mas, assumir a gestão (além da propriedade) para evitar os custos “problema do principal–agente ou dilema da agência” só é válido se feito com foco estratégico e alinhado às competências essenciais dos sócios-gestores.
Na Coréia e Japão a formação de grupos financeiros-empresariais diversificados e fortemente atrelados ao governo deu certo .Mas, no Brasil ……que perigo !
Duas frase de Edmund Burke se encaixam perfeitamente aqui:
“As pessoas não serão capazes de olhar para a posteridade, se não tiverem em consideração a experiência dos seus antepassados.”
“Quanto maior o poder, mais perigoso é o abuso.”
André, abraços e feliz ano novo!
O que eu não entendo é o que faltou ao BTG Pactual na sua empreitada de investir na economia real? Qual é o elemento ou elementos que tornam grupos de investidores na economia real bem sucedidos como a GP, 3G, Patria etc.? O que é necessário para um grupo financeiro ter sucesso em investimentos de private equity?
Gabriela
A ideia não era buscar os elementos necessários para investir em empresas não financeiras. Isso pode até gerar outro post. Sua ideia é boa. Mas mostrar que, por duas vezes, os controladores do Pactual falharam na empreitada. Observar a incrível coincidência das causas da queda dos dois sócios do Pactual.
Abraço
André
André, você poderia indicar algum desse livros que você comentou? (Sem ser sonho grande). Obrigado
Pedro
Miopia Corporativa, Richard Tedlow, é um livro bem interessante sobre erros de grandes corporações.
Steve Jobs de William Isaacson é maravilhoso.
Já comprei, mas ainda não li:Tudo ou nada de Malu Gaspar sobre o Eike Batista. Falam muito bem.
Mas, quando escrevi, pensei muito em biografias de personalidades não ligadas ao mundo financeiro como Anjo Pornográfico sobre Nelson Rodrigues, O Mago sobre Paulo Coelho, Garrincha do Ruy Castro, a autobiografia do Eric Clapton, Napoleão de Steven Englund, Olga e Chatô do Fernando de Moraes …
Abraço
André Rocha
Olá André,
Excelente colocação e creio que já deva ser de seu conhecimento que a reportagem citada juntamente com diversas outras da Piauí ligadas à economia foram consolidadas no livro “Bilhões e Lágrimas”.
Não está na lista de livros do seu comentário, mas caso não tenha lido ainda recomendo a biografia do Barão de Mauá: “Mauá – Empresário do Império” e é nesse ponto que faço minha reflexão – É impressionante que desde a época do Brasil Império a relação “Iniciativa Privada vs Governo” se mantém igual e como bem citado acima pelo Rodrigo na frase de Edmund Burke, experiências do passado podem evitar os deslizes do futuro.
Esse tipo de relação requer muitas restrições, senão você vai perder no braço de ferro com o governo (caso do Barão de Mauá) ou vai dançar conforme a música (caso do também heterodoxo André Esteves).
…enfim, o boleto para o André Esteves pagar chegou.
Sds,
Rodrigo Ribeiro
Oi Rodrigo
Já li Mauá sim. Excelente lembrança.
Abraço
Andre
André,
O seu paralelo foi perfeito! Já tinha observado a ironia quanto ao destino do Fernandez e do Esteves nos dois “take overs” perpetrados pelos sócios, ironia maior tendo o Esteves uma participação preponderante na destituição do Fernandez do Pactual original. A História parece mesmo se repetir, principalmente quando erros do passado são ‘esquecidos’ ou seus efeitos negligenciados. Tenho que concordar com o Rodrigo Ribeiro, a figura de um boleto chegando pro Esteves pagar é, desculpe-me o trocadilho, impagável!
Pobre mesmo é do contribuinte e/ou daquele que confiou suas economias no (alguma coisa)Pactual [Pactual/UBS Pactual/BTG Pactual]. Melhor eliminar compulsoriamente o nome Pactual da área financeira…
Ótimo comentário, há tempos venho pensado na expressão chula que um grande amigo usa para descrever estas situações. “O bife vira”… e virou mesmo e hoje é o próprio André Esteves na chapa.
Dois pontos: (1) as historias de sucesso sao muito mais divulgadas que as de fracasso; tem varios fracassos no CV dos alardeados como supercompetentes; (2) a galinha do vizinho eh sempre mais bonita; nem todos os “chaebol” montados na Coreia do Sul funcionaram: cade a Daewoo?
Entao, atenção com as verdades absolutas!