O valor justo é o mesmo para as ações ON e PN?

O investidor já deve ter observado em relatórios de avaliação de empresas a indicação do preço-alvo ou preço justo da ação. Em regra, esse preço justo vale tanto para as ações ordinárias (ON) quanto para as preferenciais (PN). Contudo existem algumas situações nas quais o preço justo das ordinárias e o das preferenciais podem ser distintos. Quais são esses casos?

Um dos alunos do meu curso digital fez uma pergunta interessante: “O preço justo da ação, calculado através do fluxo de caixa descontado, serve tanto para ON como para PN?”.

A principal métrica utilizada pela análise fundamentalista para o cálculo do preço justo é a metodologia do fluxo de caixa descontado.  As projeções dos fluxos de caixa futuros da empresa são trazidas a valor presente a uma determinada taxa de desconto. Há duas possibilidades: utilizar o fluxo de caixa para a firma ou o para o acionista. No primeiro caso, a dívida da empresa é abatida do valor obtido, obtendo-se o valor total da empresa. Dividindo-se esse montante pelo total de ações, chega-se ao valor justo da ação. Assim, na teoria, o valor justo do papel vale tanto para as ações ON como para as PN.

Mas existem dois casos que eu gostaria de abordar: (i) a situação na qual a cotação da classe mais líquida negocia com prêmio sobre a outra e (ii) a possibilidade de haver troca de controle acionário com parte do preço pago ao controlador sendo direcionado ao minoritário ordinarista. O detentor de preferenciais não possui tal direito.

Caso 1: Quando uma empresa possui duas classes de ações –  ordinárias ou votantes e preferenciais -, é natural que uma das classes apresente maior liquidez. Em regra, a cotação da classe mais líquida tende a ser maior. Nesse caso, pode-se flexibilizar o cálculo de forma a diferenciar o preço alvo entre as classes de ações. Vamos dar um exemplo hipotético. Suponhamos que o valor justo total da empresa seja de R$ 100 milhões, com 500 mil ações ON e 500 mil ações PN. No cálculo tradicional, o preço alvo para ambas as classes será de R$ 100,00 por ação (R$ 100 milhões dividido por 1 milhão de ações). Como o número de ações é igual para ON e PN, o valor justo total foi distribuído de forma equânime entre ON e PN (R$ 50 milhões para cada classe).

Mas vamos imaginar que a cotação de mercado das ações PN seja 10% superior à das ON, por exemplo, R$ 77,00 para as ações PN e R$ 70,00 para as ON. Se colocarmos esse prêmio sobre o preço justo por ação. O preço alvo da PN passaria a 110,00, enquanto o preço alvo da ON seria de R$ 100. Mas ocorreria uma inconsistência, pois o valor total da empresa ficaria superior a R$ 100 milhões. O novo valor da empresa seria de R$ 105 milhões (500 mil ações PN multiplicadas por R$ 110 somado a 500 mil ações ON multiplicadas por R$ 100).

Uma forma de resolver esse problema é distribuir o valor total da empresa de R$ 100 milhões entre as classes ON e PN, utilizando esse prêmio de 10% da cotação de mercado da PN sobre à da ação ON. Pode-se adotar a seguinte fórmula:

Valor Justo = preço justo PN x total de ações PN + preço justo ON x total de ações ON

Como sabemos que o preço da PN em mercado representa 10% a mais do que o da ON, temos que:

Preço justo PN = 1,1 x preço justo ON.

Substituindo o “preço justo PN” na fórmula teríamos:

Valor Justo = 1,1 x preço justo ON x total de ações PN + preço justo ON x total de ações ON.

Vamos colocar o “preço justo ON” em evidência:

Valor Justo = preço justo ON x (1,1 x total de ações PN + total de ações ON) ou

Preço justo ON = Valor Justo / (1,1 x total de ações PN + total de ações ON)

Substituindo os dados na fórmula acima, o preço justo da ação ON seria de R$ 95,24 e o da PN, R$ 104,76 (1,1 x R$ 95,24), superior ao preço justo original de R$ 100. O valor justo da empresa continuaria em R$ 100 milhões, sendo R$ 47,6 milhões distribuídos para a classe ON e R$ 52,4 milhões para a PN.

Caso 2: De acordo com a legislação societária, em caso de troca de controle societário, 80% do preço por ação pago ao acionista controlador deve ser destinado ao minoritário ordinário. Quando ocorrem rumores de que a empresa pode ter seu comando trocado, as ações ON tendem a se valorizar, superando o preço da PN, pois os detentores das ações ON terão um direito que não caberá aos donos de PN. Suponhamos que a ON passe a negociar com prêmio de 30% sobre a PN.

Utilizando a mesma formula acima e sabendo que:

Preço justo PN = preço justo ON / 1,3

Chegaríamos a um preço justo de ON de R$ 113,04 e o preço justo PN de R$ 86,96. O valor justo total da empresa continuaria em R$ 100 milhões, com a fatia das ON valendo R$ 56,5 milhões e a parcela da PN, R$ 43,5 milhões.

Assim, embora na teoria, o preço justo obtido pela metodologia do fluxo de caixa descontado seja o mesmo para ambas as classes, em determinadas situações, podemos, adotando-se uma abordagem heterodoxa, distribuir o valor justo total da empresa em partes diferentes entre as fatias de ON e as de PN.

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2 Comentários

  1. Obrigado pela explicação. Eu acreditava que as diferenças dos preços das ações ON eram mais caras simplesmente porque o detentores gozavam do direito de voto e os das PN não, mas pelo que pude deduzir da explicação não bem assim.

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