Empresas são criadas para gerar riqueza, não somente para os acionistas, mas também para os trabalhadores, fornecedores e para o Estado via tributos. O lucro é o objetivo principal de qualquer empresa. Mas nem sempre as companhias alcançam suas metas, especialmente em épocas de crise como a atual. Um leitor do blog “O Estrategista” fez uma pergunta provocativa: “por que muitos analistas recomendam empresas que simplesmente não dão lucro?”
Aqueles que seguem a análise fundamentalista, conhecidos como “investidores de valor”, podem ser divididos em duas correntes: os tradicionalistas e os qualitativos. Os primeiros fazem suas escolhas de papéis baseados no histórico das demonstrações contábeis da empresa, enquanto os segundos levam em conta projeções dos resultados das empresas, bem como aspectos subjetivos como a marca, vantagens competitivas e a qualidade da administração, por exemplo.
Na primeira corrente, destacou-se Benjamin Graham que analisava o histórico de resultado das companhias compreendendo um horizonte que poderia chegar a 10 anos. Para o investidor americano a recorrência e a consistência dos resultados, bem como os dividendos distribuídos contribuem para reduzir o risco do investimento. Papéis com deságio em relação aos seus múltiplos históricos geram “margem de segurança” para o investidor. Esse tipo de investidor descartaria de imediato empresas que não geram lucro.
Mas os tempos são outros e atualmente a corrente majoritária segue a linha dos qualitativos. Quando você, leitor, lê o múltiplo P/L (preço por lucro) em um relatório de corretora, por exemplo, o lucro reportado refere-se ao resultado futuro. É comum nesses relatórios vermos as projeções de receita e lucro para os exercícios seguintes. Dessa forma, o resultado passado, embora ainda importante, perde relevância.
Esse investidor, em regra, utiliza a metodologia do fluxo de caixa descontado na qual as gerações de caixa futura são trazidas a valor presente por uma determinada taxa de desconto. Assim, se uma empresa apresenta prejuízos atualmente, mas os resultados esperados forem positivos não haveria razões para não se investir nessa empresa. Outra característica desse investidor é que ele está mais preocupado com o crescimento futuro dos resultados do que com o pagamento corrente de dividendos. Em regra, uma empresa que tem prejuízo não consegue pagar dividendos a não ser que se valha dos resultados gerados em períodos anteriores e que estão contabilizados nas reservas de lucro.
Um ponto que deve ser analisado com cuidado é a qualidade do resultado, pois o prejuízo pode ser circunstancial. Por exemplo, uma empresa pode ter apresentado prejuízo no exercício, pois fez a baixa de um ativo que segundo a administração não gerará os resultados esperados quando foi adquirido ou construído. Mas essa despesa é meramente contábil e não acontecerá nos exercícios posteriores. Ajustes para baixo no preço dos estoques também pode ter o mesmo efeito negativo sobre o resultado.
Outra análise que deve ser feita é sobre as despesas financeiras. Suponha que uma empresa tenha uma dívida referenciada em dólares e ocorra uma depreciação acentuada da moeda local. A dívida é atualizada e o ajuste é lançado na demonstração de resultados, reduzindo o resultado da companhia. Dependo do grau de alavancagem da empresa, essa despesa financeira pode levar a companhia a apresentar prejuízo. Contudo, se o endividamento é de longo prazo e não houve amortização no período, aquela despesa é meramente contábil e pode ser revertida posteriormente caso o dólar perca força.
Ativos comprados com ágio também geram amortizações ao longo do tempo, decrescendo o resultado. Contudo, essa despesa é apenas contábil sem impacto sobre o caixa.
Ocorre ainda de empresas aderirem a programas de refinanciamento de passivos tributários. Com isso, ocorre um pagamento pontual dos tributos em atraso, reduzindo o resultado no exercício corrente. Entretanto, esse gasto não tende a se repetir nos resultados futuros.
Empresas que passam a ser listadas na bolsa de valores apresentam elevadas despesas de comissões aos bancos de investimentos, corretoras e taxas da bolsa no período da abertura de capital. Esses dispêndios derrubam os resultados, mas não são recorrentes. Assim, o analista não os considerará nas estimativas de resultados.
O ideal é conciliar empresas que já apresentem resultados consistentes e que tenham perspectivas positivas de crescimento do lucro. Mas não se pode descartar de pronto empresas com prejuízo. Por isso, uma análise detalhada do resultado é fundamental. Empresas podem estar apresentando prejuízos no curto prazo por motivos meramente pontuais. Além disso, mudanças estruturais da economia podem transformar patinhos feios em cisnes. Quem apostou em empresas em vias de privatização na década de 90 obteve excelentes retornos e não se arrependeu de investir em companhias deficitárias.
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Como de costume, uma boa análise, mas gostaria de complementar apenas 2 pontos:
1 – A contabilidade não admite mais a amortização do ágio, que passou a ficar submetido a testes periódicos de recuperabilidade (impairment);
2 – Não considero uma despesa meramente contábil uma dívida em moeda estrangeira que tenha se valorizado em comparação à moeda local. Sim, essa é uma perda que não gerou caixa, e que pode ser recuperada, mas também que pode ser agravada, o fato é que é uma perda que um dia será paga. O que pode se justificar é se a empresa tem ativos na mesma moeda que se valorizou, mas neste caso a empresa deveria utilizar a norma contábil que permite o Hedge de Investimento Líquido em Operação no Exterior e essa valorização cambial da dívida não afetaria o resultado contábil da empresa.
Do jeito que a matéria está escrita parece até que é fácil garimpar as perólas em meio a prejuízos.
Para um analista expert, talvez seja mole, mas para o investidor PF amador isso normalmente acaba em mais prejuízos e saídas em definitivo da bolsa.
Graham tinha também as “bitucas de cigarro “empresas sendo negociadas a 0,3 do patrimônio liquido como a Petrobras , assim o ganho viria em caso de liquidação da empressa
É claro que é necessário uma análise detalhada mas o ideal é uma empresa que dê prejuízo (não paga IR) e gere bastante caixa
Vamos dar um exemplo cia aérea.
Nos ultimos 20 anos a maiores cia do brasil quebram.
As que estão no mercado a cada aumento o endividamento.
Não gera lucro.
Qual o sentido das ações de valorizar
Mauricio
Mauricio
Nem todas as empresas que elevam o seu endividamento não conseguem se deselavancar no médio prazo. Veja o exemplo da AB Inbev que teve seu endividamento elevado após a compra Anheuser-Busch em 2008 e conseguiu reduzi-lo significativamente nos anos seguintes.
Abraço
André Rocha
Importante pesquisar se a empresa gera prejuizos apenas para os acionistas, sejam minoritario ou majoritarios, mas simultaneamente gera grandes receitas para os administradores.