Investir em ações apresenta mais riscos do que aplicar em produtos mais conservadores como, por exemplo, a maior parte dos títulos de renda fixa. Com isso, é natural que o investidor exija um retorno extra ao alocar seus recursos na bolsa de valores. Como tem se comportado a rentabilidade do mercado acionário vis-à-vis essas aplicações? Faz sentido alocar parte dos recursos na bolsa?
O instrumento mais utilizado para avaliar uma companhia é a metodologia do fluxo de caixa descontado. Dessa forma, o fluxo de caixa futuro da empresa é trazido a valor presente a uma determinada taxa de desconto.
Se o fluxo de caixa descontado utilizado for o do acionista, a taxa de desconto utilizada é calculada pelo CAPM (“capital asset price model”), cuja formula é a seguinte Ke = rf + β [Erm – rf], onde Ke é o custo do capital próprio, rf é a taxa livre de risco, β é o beta da ação e Erm é o retorno esperado da carteira de mercado. No caso brasileiro, a carteira de mercado é representada em reais pelo Ibovespa e em US$, pelo MSCI Brasil.
Aqui cabe algumas considerações. Em relação à taxa livre de risco, alguns analistas utilizam a taxa Selic definida pelo Banco Central, enquanto outros utilizam a taxa de juros média anual do US T-bonds com prazo de 10 anos acrescido do nosso risco país.
A diferença entre o Erm e a rf é conhecida como “equity risk premium” (ERP), ou seja, o retorno adicional esperado por se aplicar no mercado acionário, um ativo de maior risco.
O consultor Marcelo d’Agosto, em sua coluna no Valor Econômico de 28 de julho, publicou um interessante gráfico com o retorno de alguns índices de referência para o período de 10 anos compreendido entre 1º de julho de 2005 e 30 de junho de 2015, em bases anualizadas.
Os índices Barclays Short Treasury (ST), Barclays US Treasury 7-10 Yr (Barclays 7-10) e CRSP US Total Market (CRSP Total) medem, respectivamente, a rentabilidade da renda fixa de curto e médio prazo nos EUA, bem como a das ações americanas. Os índices Barclays EM Brazil Fixed Rate (Barclays Brasil) e MSCI Brasil capturam a rentabilidade da renda fixa e do mercado acionário brasileiro em US$. E, por fim, o CDI e o Ibovespa refletem o ganho com a renda fixa e com as ações brasileiras em moeda local.
Nos EUA, percebe-se que o ERP é positivo, pois o CRSP Total supera a performance dos títulos de renda fixa americanos. Já, no caso brasileiro, a situação é inversa. A renda fixa tanto a medida em dólares pelo Barclays Brasil quanto a medida em reais pelo CDI é superior a do mercado acionário. Logo, o ERP da bolsa brasileira seria negativo o que iria de encontro a teoria de finanças que prega que ativos de maior risco merecem um prêmio de rentabilidade sobre investimentos conservadores.
Por que isso ocorre? Os juros no Brasil são historicamente elevados o que provoca um desarranjo na economia e nos investimentos em geral. Os juros altos são danosos ao investimento em ações.
Tomando por base a metodologia do fluxo de caixa descontado, os juros elevados reduzem o valor presente das companhias e, com isso, suas cotações o que reduz o valor do índice acionário.
Além disso, juros elevados reduzem a demanda pelos produtos das companhias, reduzindo a receita e elevam as despesas financeiras o que reduz o fluxo de caixa gerado e, por consequência, o preço das ações.
Outro impacto negativo dos juros altos é que o mercado acionário perde atratividade perante outros investimentos de menor risco o que aumenta o resgate do mercado acionário, deprimindo o preço das ações.
Por fim, cabe ressaltar que boa parte das empresas de maior capitalização que compõem os principais índices acionários brasileiros são cíclicas, ou seja, suas atividades operacionais dependem do ciclo econômico o que eleva a volatilidade do índice. Além disso, o Ibovespa apresenta muitas estatais em sua composição que negociam com desconto para os competidores privados em decorrência do risco político.
Assim, o investidor deve selecionar com cuidado as ações que comporão seu portfólio. Seguir passivamente o Ibovespa ou mesmo o MSCI não parece ser a melhor alternativa. Vejamos. A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) classifica os fundos por tipo de gestão. Os fundos de ações nos quais os gestores possuem discricionariedade para escolher seus ativos estão na categoria “ações livre”. Entre 2009 e 2014, esses fundos tiveram desempenho médio de 119%, acima do CDI. Além disso, o Valor Econômico compila mensalmente uma carteira de ações junto a dez corretoras. Esse portfólio teve desempenho ainda melhor: 141,5%. No mesmo período, o Ibovespa apresentou desempenho pífio de 33,2% o que mostra a força de uma gestão ativa.
Dessa forma, o investimento no mercado acionário brasileiro exige seleção criteriosa das ações. Em 2013 e 2014, os desempenhos tanto das “ações livre” quanto da carteira Valor foram inferiores ao CDI, mas mesmo assim eles preservaram o capital dos cotistas. Para investidores que possuem uma reserva de valor mais robusta, investir em ações é sim uma boa forma de diversificação de ativos apesar do pessimismo do público em geral.
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Muito bom! Gostei bastante da análise.
Este estudo torna sólido ainda mais a ideia de gerir ativamente uma carteira. Eu estou indo por este caminho apesar do risco Brasil ser muito grande, porém penso no longo prazo em termos de ações à investir.
Pensemos grossamente: o ibovespa tem um monte de empresa ruim. Você quer investir em empresa ruim que vai destruir teu capital? invista na ibovespa.
Não tem tempo de achar boas ações? compre um fundo de ações ativo de um gestor muito bom.
Prontinho.
Boa introdução, análise mais ou menos e conclusão duvidosa. O índice de referência do mercado acionário brasileiro não é o Ibovespa, mas o IBrX-100 (ou IBX), que, assim como o MSCI Brazil, o CRSP e o S&P 500, é ponderado pelo valor de mercado das empresas (até 2014 o Ibovespa era ponderado, pasmem, pelo volume de negociações). O IBX variou 10,9% anualizados de jul/05 a jun/15, ainda abaixo do CDI, mas bem acima dos 7,8% do Ibovespa. De 2009 a 2014, o IBX subiu 66%, contra 35% do Ibovespa, e com menor volatilidade. Isso tira bastante da suposta vantagem da gestão ativa de carteiras. Aliás, no mundo inteiro e principalmente nos EUA, os fundos de ações com gestão ativa têm, há vários anos, perdido feio dos fundos passivos e baratos que seguem índices ponderados por valor de mercado, como o S&P 500 e o IBX. É difícil crer que no Brasil será diferente, no longo prazo.
Gulherme
Fiz um post em 2011 sobre a composição do Ibovespa e a do IBrX em termos setoriais e não havia grandes diferenças apesar da metodologia do Ibovespa ser diferente da do IBrX naquela ocasião. Logo não acredito que a utilização do IBrX como referência para o mercado local faça tanta diferença. O problema com o IBrX persiste: um índice com grande participação de ações cíclicas, estatais … Segue o post: http://www.valor.com.br/valor-investe/o-estrategista/1019138/ibovespa-ou-ibrx
Abraço
André Rocha
Obrigado pela resposta, André. Bom o seu artigo sobre o Ibovespa versus o IBrX em 2011. Minha ponderação é que, mais que apenas algumas diferenças nos pesos setoriais na foto tirada em 2011, a diferença entre esses índices é, sim, bastante relevante. Basta constatar que o IBrX-100 acumulou variação 81% acima do Ibovespa nos últimos 20 anos (desde que foi criado). E com menor volatilidade! É muito mais fácil bater o Ibovespa que bater o IBrX no longo prazo, especialmente depois de ajustar pelo risco. Isso acontece porque o IBrX, como você ressaltou em seu artigo, é montado em base conceitual mais sólida. Sua carteira representa a soma das carteiras de todos os investidores (ou seja, é a carteira do “mercado”). Já a construção do Ibovespa não tem qualquer amparo na teoria de finanças.
num intendi nada