O mercado de capitais já projeta um futuro melhor?

A atual deterioração da economia brasileira já vinha sendo vislumbrada pelo mercado de capitais desde pelo menos 2013. O fechamento do mercado para a chegada de novas empresas na bolsa, a redução do número de postos de trabalho e a queda da remuneração de analistas, gestores e banqueiros de investimento eram sinais de que o mercado de capitais mostrava fadiga após anos de prosperidade que duraram de 2004 a 2011, com pequena pausa durante a crise 2008.

Contudo, assim como antecipou a recessão atual, o mercado parece vislumbrar, ainda que de forma tímida, dias melhores. A leitura dos jornais na última semana apresenta alguns exemplos do novo humor do mercado.

Um dos grandes desafios do homem é viver sua rotina harmonizando seu passado, presente e futuro. Caso se apegue ao pretérito, torna-se nostálgico, idealizando o que passou e não valorizando as coisas do presente. Viver apenas do hoje, esquecendo-se do porvir, embora atraente, pode sedimentar um caminho turbulento à frente. Por fim, ater-se somente ao futuro carrega o mesmo mal do habitante do passado: esquecer-se de usufruir das boas coisas do presente.

Essa discussão filosófica também transparece na economia e na política. O mercado de capitais é o homem do futuro enredado em seus cenários prospectivos. Já o eleitor comum atém-se ao passado e ao presente, pois para ele “o futuro a Deus pertence”.

Durante as eleições presidenciais de 2014, pudemos constatar o embate entre essas duas visões. Os agentes do mercado, presos a suas projeções, torciam abertamente pelo candidato da oposição, preocupados com a deterioração das variáveis econômicas. Embora o PIB tivesse crescido 2,7% em 2013, tudo indicava estagnação em 2014 e recessão nos anos seguintes. O déficit em conta corrente acelerava-se, mostrando que as nossas relações comerciais com o exterior ficavam cada vez mais negativas. O déficit nominal, que beirava 2% em anos recentes, já ensaiava triplicar em 2014. A dívida bruta do setor público como percentual do PIB também elevava-se. Por sua vez, o eleitor médio prendia-se aos inegáveis ganhos sociais do passado recente. Além disso, a taxa de desemprego permanecia baixa, o que também contribuía para uma sensação de segurança.

Pois bem, passados alguns meses das eleições, o “futurista” mercado de capitais parece ter acertado. Os dados econômicos de 2015 parecem confirmar aquele pessimismo. O PIB cai, as vendas do comércio desabam, a arrecadação do governo tem queda real e mesmo o antes intocável desemprego acelera-se, atingindo 6,4% em abril, maior taxa desde 2011.

Os participantes do mercado de capitais já viam companheiros desempregados desde 2013. Agora, essa realidade espalhou-se de forma disseminada para o restante da economia.

Contudo, um fato novo ocorrido após as eleições parece contaminar positivamente o mercado: a mudança da política econômica empreendida pelo atual governo, recorrendo a práticas ortodoxas que seriam patrocinadas com tranquilidade pelo PSDB. Notícias da última semana indicam esse novo humor do mercado.

O sucesso da abertura de capital da Par Corretora de Seguros, controlada pela Caixa Econômica Federal, é um desses exemplos. O intervalo para o preço inicial da oferta foi elevado de R$ 11,25 a R$ 11,60 para R$ 11,25 a R$ 12,60, devido à enorme procura pelos papéis.

O preço final ficou em R$ 12,33, próximo do teto reajustado. Os acionistas vendedores, entre eles a Federação Nacional das Associações de Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e a GP Investimentos, conseguiram levantar R$ 603 milhões na operação.

Em entrevista ao jornal Valor  na última sexta-feira, Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES, ex-ministro das Comunicações e fundador da gestora Quest, também dá um tom otimista: “Pode ter um momento mágico, em que poderá ter a combinação de resultados sobre a economia, que ninguém vai questionar, e a percepção de que o próximo ciclo [político] poderá ser de reformas consistentes”.

Apesar da Operação Lava-Jato, a Petrobras fechou uma captação de US$ 2,5 bilhões com a emissão de bônus com prazo de 100 anos. A última captação externa da estatal havia ocorrido em março do ano passado, antes do agravamento das denúncias de corrupção.

Ficar otimista ainda é prematuro. O mercado de capitais erra com frequência como, por exemplo, ao não antecipar a derrocada do sistema imobiliário em 2008 ou o estouro da bolha da internet em 2001. Além disso, a própria presidente e seu partido não parecem acreditar nas medidas tomadas. Mas as notícias da última semana indicam um clima mais ameno.

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2 Comentários

  1. Bom comentário, André. Mas é importante salientar a seletividade dos setores em questão. A nossa indústria tupiniquim, que sempre foi um lixo, não consegue se modernizar para competir no exterior com produtos de valor agregado. De forma até conservadora e acertada, o governo acertou nos incentivos com investimentos no setor que somos competentes: agropecuária e construtora, que geram empregos. Como não temos visão de futuro na Sociedade, vamos sempre “empurrando com a barriga” e vislumbrando oportunidades de curto prazo.

  2. Excelente análise ! Muito trabalho ainda deve ser realizado, mas o cenário indica que existe discussão e parte do próprio partido do Governo admite a necessidade das correções.

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