Outros obstáculos ao IPO da Caixa

No último post “IPO da Caixa: sem noção da realidade”, comentei que, em um momento no qual ocorrem graves problemas de governança corporativa na Petrobras e na Eletrobras, o anuncio da abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) da Caixa Econômica Federal feito pela presidente Dilma Rousseff era fora de propósito. Antes dessa medida, os limites de atuação das estatais precisam ser discutidos. Elas devem visar o interesse público à custa do caixa dessas empresas com prejuízo para os acionistas minoritários? Esses devem pagar por benefícios destinados a toda a coletividade? A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e o STF (Supremo Tribunal Federal) devem se debruçar sobre o tema nos próximos meses. Além dos argumentos utilizados no artigo anterior, excelente reportagem de Fernando Torres do Valor Econômico mostra outro argumento contrário ao IPO: a fragilidade do lucro da Caixa Econômica Federal.

Além das fraudes na Petrobras, percebem-se conflitos de interesses entre a União Federal e a petroleira e a Eletrobras. Com o objetivo de reduzir a inflação, os representantes da União no Conselho de Administração dessas empresas aprovaram medidas que afetaram a geração de caixa comprometendo a consecução dos investimentos.

A Lei 6.404/76 que disciplina as sociedades anônimas parece contraditória no tocante às estatais. O artigo 235 diz que as sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas à Lei das SA. O artigo 115, por exemplo, fala que “o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas”. Os representantes da União na Eletrobras e na Petrobras aprovaram políticas tarifárias que prejudicaram a geração de caixa dessas empresas. Esse voto não pode ser qualificado como de abuso de poder como citado pelo artigo 115? Contudo, por outro lado, o artigo 238 diz que “A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador, mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”. E aí? Essa inconsistência precisa ser dirimida pela CVM ou pelo STF.

A própria Caixa já foi instrumento de política econômica quando, em 2012, encampou a cruzada da presidente para reduzir os juros e praticou taxas de juros dos empréstimos inferiores às dos bancos privados. Essa estratégia foi saudável para a empresa ou para o governo?

Não bastasse essa discussão sobre os limites de atuação das estatais, o jornal Valor publicou interessante artigo “Gestão do FGTS e depósito judicial sustentam Caixa” na última segunda. Segundo a reportagem, o lucro antes do imposto de renda e contribuição social de R$ 4,8 milhões nos primeiros nove meses de 2014 derivou-se especialmente da gestão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), depósitos judiciais e loterias. Assim, boa parte do lucro foi resultado de atividades específicas da Caixa e não dos serviços bancários tradicionais como crédito e tarifas por serviços. A Caixa cobra 1% de taxa de administração do FGTS. Assim, até setembro de 2014, essa atividade gerou uma receita de R$ 2,9 bilhões e um resultado líquido após despesas de R$ 2,5 bilhões.

Já os depósitos judiciais, que tiveram saldo médio de R$ 47,3 bilhões, foram remunerados a 4,11% aa nos nove primeiros meses de 2014 enquanto o CDI rodou a 7,83% no mesmo período. Essa fonte de financiamento mais barata é exclusividade da Caixa. Como diz Fernando Torres na reportagem: “Só com esses dois fatores já se chega a um ganho de R$ 4,28 bilhões, suficiente para assegurar quase 90% do lucro antes de impostos obtido pela Caixa nos primeiros nove meses de 2014”.

Faria sentido essas atividades ficarem na Caixa após ela se transformar em empresa aberta, fazendo com que acionistas privados se beneficiem de atividades do “monopólio” da Caixa? Por outro lado, caso esses serviços sejam retirados, o lucro teria uma queda substancial e dificilmente atrairia investidores particulares.

Outra questão é a qualidade dos créditos após o crescimento acelerado das concessões derivado da cruzada contra os juros altos empreendida pelo governo federal. Um aumento da inadimplência poderia elevar a constituição de provisões, afetando negativamente o lucro.

Em suma, a ideia de trazer a Caixa para a bolsa no cenário atual é inadequada e mostra como parte dos integrantes do governo não entende a lógica por trás da formação do preço dos ativos negociados em bolsa.

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2 Comentários

  1. Armando Luiz Batista de Almeida

    Caro André, é latente a intenção do Gov. Federal nesta abertura, tentando demonstrar desenvoltura em uma seara em que não dominam. Acredito que esta nova equipe irá se debruçar sobre este assunto exaustivamente. Mas sendo pessimista nos anseios será que não tem outros fatos não tão claros assim, visto que a captação elencada nesta tratando somente de FGTS,Loterias e depositos judiciais será que não são mais suficientes para cobrir algo que não vemos.

    Abraços

  2. Andre,

    Excelente sua análise sobre a proposta do IPO da Caixa, nos dois artigos publicados no Valor Econômico. O fato de termos empresas estatais (governamentais ?) na bolsa tem sido objeto de muitas discussões entre os Conselheiros do IBGC , do qual faço parte. Espero que seus artigos suscitem uma maior reflexão sobre estes temas na sociedade, contribuindo para um aprimoramento na gestão de empresas públicas.
    abraço,
    Paulo

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