Como investir se não consigo poupar?

O descaso da maioria das pessoas com seus gastos pessoais assusta. Recentemente tive a seguinte conversa com um amigo: “Estou assustado com o custo de vida. Tenho gasto R$ X mil por mês”, disse. “Você está gastando muito, André. Gasto bem menos!”. Sabendo do seu elevado padrão de vida, não acreditei na resposta e de pronto retruquei: “Desculpe, mas quanto você e a Monica (sua esposa *) ganham?”. “Cerca de R$ Y mil”. “E você poupa quanto mensalmente?”. “Não consigo poupar”. “Bem, então você gasta mais do que eu”. Esse singelo raciocínio deixou meu amigo atônito. Por que isso acontece?

Os textos de educação financeira se concentram nas regras para investimento, esquecendo-se de etapas anteriores como a elaboração do orçamento doméstico e o hábito de poupar. Embora muitas pessoas reclamem dos governos perdulários que gastam mais do que arrecadam, seu universo familiar reproduz em versão reduzida o costume desses políticos.

A primeira tarefa para quem pensa em poupar é elaborar o orçamento doméstico, discriminando cada tipo de gasto. Por exemplo, gastos com a casa – eletricidade, gás, luz, telefone, TV a cabo, condomínio, aluguel, empregada doméstica, IPTU -, com alimentação – supermercado e restaurantes, com a família – escola, plano de saúde, cursos, clube -, com o carro – prestação, gasolina, estacionamento, manutenção. A lista depende de cada família e pode apresentar diferentes níveis de detalhamento. Essa tarefa, embora trabalhosa (por experiência própria digo que fica em torno de uma a duas horas mensais), é fundamental para percebermos quais gastos são realmente relevantes, possibilitando ainda o corte daqueles supérfluos.

Embora não tenha a pretensão de explicar cientificamente a cegueira do meu amigo, acredito que a resposta reside principalmente na ausência da elaboração de um orçamento formal **. Sem um controle as pessoas se atentam apenas aos custos fixos e, mais do que isso, aos gastos que possuem boleto único como a mensalidade escolar, a do clube, a do plano de saúde, contas de luz, gás, telefone … Gastos dispersos ao longo do mês como restaurantes, feiras livres, cinemas, gasolina, estacionamento e muitos outros são simplesmente desconsiderados. Por isso, o gasto total é subestimado o que explica a surpresa do meu amigo.

Iniciar a elaboração do orçamento é chato, mas muito simples. Basta um conhecimento básico de Excel, guardar os comprovantes e paciência. Seu futuro agradecerá.

* Os nomes são fictícios. Não quero perder a amizade.

** As causas podem ser várias. Um psicólogo poderia dizer que o meu amigo está negando a existência de um problema. Um especialista em finanças comportamentais poderia citar o desconto hiperbólico. Aquiles Mosca, em sua última coluna no Valor Econômico, explicou o conceito: “Em português corrente, atribuímos pouca importância aos benefícios que teremos acesso apenas no futuro. Preferimos dar um valor maior aos prazeres que estão próximos. Logo, de forma inconsciente, valorizamos mais o presente do que o que está por vir.”

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5 Comentários

  1. O que eu faço pessoalmente é o seguinte: em todo final de ano – digamos, final de 2014 -, estimo (conservadoramente) o quanto de terei de receitas no ano seguinte (2015), provenientes de salários, gratificações, trabalhos avulsos, etc. Esse montante, à medida que for entrando no meu caixa em 2015, será alocado em diferentes categorias de poupança, a saber: (i) fundo orçamentário para 2016: é a poupança que será utilizada integralmente para todas as despesas correntes em 2016. É claro que não há como prever exatamente esses gastos, porém estimo com base no total de despesas em 2014 e nos ajustes que serão feitos em 2015. É aí que entra a importância de se controlar detalhadamente todas as despesas, conforme sugerido pelo articulista. Somente assim será possível ter noção do seu orçamento para o ano inteiro. Este fundo também contempla um delta de emergência (acrescento 50% ao total do fundo orçamentário). Se você ainda não tem esse valor de emergência disponível, pode poupar um pouco a mais junto com o fundo orçamentário; (ii) fundo de projetos pessoais: é a poupança para realizar todos os meus sonhos de consumo e de desenvolvimento pessoal, como a compra de uma casa, viagens, carro, cursos, etc; e (iii) fundo de independência financeira: é a poupança que garantirá meu sustento financeiro (em conjunto ao INSS) na aposentadoria.
    Note que, desta maneira, nenhum centavo que entra durante o ano é gasto no próprio ano. Em vez disso, os recursos vão para diferentes categorias de poupança que irão garantir meu sustento nos anos posteriores. O fundo orçamentário, se construído com disciplina em 2015, irá garantir todo o sustento em 2016 (ainda mais com o reforço do delta de emergência para imprevistos). Desta forma, ao chegar em 31/12/2015, poderei sacar todo o dinheiro que utilizarei em 2016, garantindo tranquilidade durante o ano, além de servir também como um limite psicológico (no ano inteiro só poderei gastar aquilo que está disponível). Da mesma forma, quando chegar o momento de realizar meus projetos pessoais, espero já ter todo o recurso suficiente para pagar à vista, após poupar com disciplina ano a ano (se não tiver tudo, posso angariar um “empréstimo” da minha reserva de emergência). E analogamente para quando eu for me aposentar.
    Isso pressupõe, obviamente, que eu já tenha inicialmente o montante de recursos para cobrir todas as despesas em 2015, o que me permitirá poupar para 2016. Caso ainda não tenha, é necessário usar o ano de 2015 para compor exclusivamente o fundo orçamentário de 2016, para daí então, a partir dali, começar formar também as outras poupanças.
    Quanto à porcentagem de alocação nos fundos, uma divisão que acho excelente é a 50-35-15, isto é, 50% das receitas são alocadas ao fundo orçamentário, 35% ao de projetos pessoais e 15% ao de aposentadoria. É uma regra prática e eficiente, que “trava” seu estilo de vida (despesas) a até metade do que se ganha. A outra metade é destinada a realização de sonhos e independência financeira. Além de que é fácil controlar: quando cai o salário do mês, divido o valor nas diferentes poupanças seguindo essa proporção.
    Já em relação aos produtos financeiros nos quais investir, fica a critério de cada um, mas quem não tem noção nenhuma é bastante recomendável buscar ajuda profissional. Isso evita, por exemplo, que se coloque o dinheiro do fundo orçamentário – que exige liquidez e baixo risco – em ações, que servem mais ao fundo de aposentadoria.
    É uma prática que vem funcionando bem pra mim. Todo esse esquema trabalha em cima do ato de poupar, usando o dinheiro que se ganha agora para garantir algo no futuro, sempre lembrando que o montante poupado será maior no futuro devido aos juros das aplicações. Montar o orçamento pessoal e familiar – isto é, ter consciência do montante total a ser gasto durante um ano – é fundamental para que a prática funcione.

  2. Bom artigo André! Eu apenas acrescentaria a questão da disciplina, pois realmente é algo chato e pode ser bem desanimador ver que se gasta muito em itens supérfluos… Abraços!

  3. Olá André,
    Separar o gasto mensal recorrente do não recorrente e buscar a eliminação de alguns recorrentes, ajudam a reduzir bastante os gastos totais em regime anual.
    Nesta linha, um item que me surpreendeu e que pude reduzir bem foi a de telefonia celular. Sugiro a todos atentar para esse item e procurar alternativas em outras operadoras, conjugando com mudanças de hábitos diários. Outra sugestão é sair da renovação automática proposta pela seguradora atual. Economizei 50% na última renovação e troquei de seguradora apenas por ter procurado uma alternativa para os mesmos valores segurados. As diferenças entre as segurados são absurdas. Vale a pena fugir da comodidade da renovação automática proposta em geral pelos grandes bancos que normalmente nos surpreendem 10 dias antes de vencimento para a renovação às pressas.
    Saudações,
    Elias

  4. Economia financeira e Educação financeira andam juntas, com um planejamento do que se quer fazer e metas a cumprir e um controle em gastos, todos nós poderemos realizar aquele sonho planejado.

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