A Previ é a entidade responsável pelo pagamento de aposentados e pensionistas do Banco do Brasil. Possui patrimônio de R$ 165,5 bilhões, dos quais 60% investidos em renda variável. O fundo de pensão é um dos principais investidores do mercado acionário brasileiro possuindo participações em diversas empresas de diferentes setores: a mineradora Vale, as elétricas CPFL e Neoenergia, a de logística ALL, a telefônica Oi e muitas outras. Em reportagem do Valor Econômico, Marco Geovanne, diretor de participações, fez observações interessantes que podem contribuir para a montagem de uma carteira de ações equilibrada. Temas como a qualidade da administração, as mudanças no setor elétrico que alteraram sua tese de investimento e a política de dividendos, a visão de curto prazo do mercado e a remuneração dos executivos também devem ser consideradas pelo investidor comum.
Na reportagem “Previ recomenda atenção ao caixa”, de 19 de setembro, Geovanne fez colocações sobre a crise atual e a necessidade de ser criterioso nos investimentos e na valorização do caixa. Mas o que me chamou mais a atenção foram temas importantes para a construção de uma carteira de ações. Alguns já foram tratados em textos anteriores do blog O Estrategista:
1) Qualidade da administração: alguns gestores adeptos do “value investing” se orgulham de investirem apenas em empresas que possuem administradores competentes. Sempre achei essa definição imprecisa. O que é uma administração de qualidade? Será que o Presidente e os diretores serão sempre eficientes em qualquer cenário? Ou a qualidade depende do momento por que passa a empresa e o setor? Em outras palavras, a “qualidade da administração” é um conceito atemporal?
Como um dos controladores da Vale, Geovanne acredita que com a mudança do ciclo do minério foi necessário alterar não só a estratégia da mineradora, mas os gestores envolvidos. Na época de bonança, a empresa fez investimentos para expandir sua área de atuação. Contudo com o recuo do preço do minério, o enfoque voltou-se para controle de custos e priorização das unidades de negócios principais. Um administrador que seja eficaz em um momento histórico da companhia pode não corresponder aos desafios de outro período. Prova de que a “qualidade da administração” não é atemporal. O exemplo acima comprova que a análise sobre a qualidade da administração é uma tarefa contínua que depende das condições macro e microeconômicas.
Tendo isso em mente, não é recomendável investir em ações de empresas que atravessam um momento favorável do ciclo econômico mesmo que seus administradores não sejam os mais qualificados? Em outras palavras, o que seria mais rentável: surfar essa onda ou seguir religiosamente o conceito abstrato da “qualidade da administração”?
2) Setor elétrico: para muitos investidores as ações de elétricas são sinônimas de bons dividendos. Mas esse cenário tem mudado com alterações regulatórias e ingerências políticas. Empresas que não concedem o reajuste aprovado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) a fim de evitar medidas impopulares em época de eleições têm sido comum. Além de grave violação as boas regras de governança corporativa, esses eventos afetam a geração de caixa e, com isso, os dividendos.
Como diz Geovanne: “O segmento era um reloginho, mas agora ficou pouco previsível”. Um exemplo de que as teses de investimento não são eternas. Aplicar em ações do setor elétrico apenas pelos dividendos pode ser um grave erro, pois a má governança corporativa pode afetar negativamente o preço da ação e, com isso, “comer” todo o ganho gerado pelos dividendos. O investidor nunca deve se esquecer de que o ganho com ações é formado por duas parcelas: (i) a rentabilidade com os dividendos e (ii) o ganho ou perda de capital (a diferença entre o preço de venda menos o preço de compra das ações). Os dividendos são apenas parte da remuneração total.
3) Visão de curto prazo do mercado: Muitas vezes as empresas atendem a ansiedade do mercado, adotando estratégias positivas no curto prazo, mas danosas para o valor da empresa no longo prazo. Por isso, a importância dada pelas corretoras e pela imprensa aos resultados trimestrais deve ser relativizada. Alguns investidores só pensam no trimestre. Mas, nesses momentos, segundo Geovanne: “É papel do conselho também atuar nesse tipo de situação. Peitar o mercado e falar ‘não é assim, você quer esse tipo de caminho porque daqui a dois anos você sai desse investimento. Mas nós temos compromissos com funcionários, fornecedores’.” Será que o resultado de um trimestre é tão decisivo para escolher ou desistir de uma ação? Uma observação pode responder a questão. Imagine que o investidor tenha adotado a metodologia do fluxo de caixa descontado de 10 anos ou 40 trimestres para selecionar suas ações. Será que um único trimestre ou 2,5% (1 sobre quarenta avos) do período terá tanta influência sobre o valor da empresa?
4) Remuneração dos administradores: Geovanne critica o fato de a remuneração dos gestores de algumas empresas ser focada em eventos de curto prazo o que causa um desalinhamento entre os acionistas e os administradores. Os primeiros preocupados com a continuidade da empresa, enquanto os segundos querem obter gratificações maiores no menor espaço de tempo. Tenho percebido que empresas com capital pulverizado ou difuso têm apresentado mais conflitos de agência, ou seja, choques de interesse entre os gestores e os acionistas da empresa do que aquelas com controlador definido. Será a comprovação da tese de que “os olhos do dono engordam o boi”?
Observar no formulário de referência da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a composição acionária e a forma de remuneração dos executivos pode ser importante para evitar situações como a descrita por Geovanne.
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Excelente artigo André. Fica apenas a dúvida sobre como a Previ reage às ingerências políticas. Todos sabemos que a Vale trocou de presidente não por ter concluído que seria o momento adequado e sim por pressões oriundas de Brasília.
Não me parece que todos estes critérios sejam seguidos à risca pela Previ em todos os investimentos mas, não há como negar que são ótimos para nortear o pequeno investidor.
Abs
Celso Muniz
Muito instrutiva a reportagem, principalmente no que tange ao cenário econômico e a influencia nos resultados da companhia. Antes da crise econômica de 2008, existia uma relação direta de causa e efeito entre os ganhos da companhia e a atuação dos executivos. No entanto, com a crise de 2008, todos os executivos foram unânimes em se justificar com “problemas externos”. Não seria razoável perguntar, se essas conjunturas externas (“surfar nas ondas”), tambem não seriam a causa dos ganhos?
abraço,
Bom ponto Carlos. Mas é duro aceitar que o seu sucesso deriva das circunstâncias, do acaso!
Abraço
André Rocha
Bom artigo, bem em linha como atuo em meus investimentos, pois sigo de perto movimento de gestoras como Dynamo, Tempo Capital, Fama,… e grandes investidores como Lirio P. e Luis Alves.