Existe risco regulatório no setor elétrico brasileiro?

A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) na nota técnica para definição da taxa de rentabilidade a ser utilizada no quarto ciclo de revisões periódicas das concessionárias de distribuição de energia explica porque não incluiu um adicional de risco regulatório na fórmula da tarifa. A agência está correta? As ações das empresas brasileiras do setor elétrico negociam com desconto em decorrência da existência de um risco regulatório no setor? Em outras palavras, os investidores para adquirirem essas ações pedem uma redução de preço devido a interferências governamentais?

A ANEEL cita alguns motivos que a levaram a não adotar um adicional de risco regulatório no cálculo da tarifa.

Primeiro, a Aneel considera o processo brasileiro mais transparente e mais imune a pressões políticas do que o americano. Como discutido no post de ontem “Entendendo a taxa de desconto”, a Aneel utiliza o mercado acionário norte americano para cálculo de algumas variáveis como o beta das ações e a taxa livre de risco.

Segundo a nota técnica, são observadas as seguintes práticas nos Estados Unidos: (i) inexistência de regras predefinidas para cálculos tarifários, (ii) interferência política na definição das tarifas, pois a regulação se dá em níveis estaduais, (iii) a existência de comissões regulatórias eleitas por consumidores, (iv) a não correção monetária das tarifas e (v) a diversidade de metodologias para definição do custo de capital. Já no caso brasileiro existem: (i) garantia de repasse integral para grande parcela dos custos incorridos pelas distribuidoras, (ii) regras predefinidas de reajuste e revisão tarifária, (iii) possibilidade de revisão extraordinária, (iv) uniformização dos métodos aplicáveis a cada empresa, (v) previsibilidade em relação à periodicidade dos cálculo tarifários e (vi) regulação por autarquia autônoma e independente.

Outra razão citada pela agência brasileira para não incluir um prêmio de risco regulatório é que o índice setorial BM&FBovespa Energia Elétrica – IEE apresentou rentabilidade bem superior a do Ibovespa entre 25 de abril de 1997 e 8 de abril de 2014. Uma unidade monetária aplicada no primeiro dia da série traria um retorno de 9,36 unidades se aplicada no IEE e 5,30 se alocada no Ibovespa. Se utilizarmos um período mais curto de cinco anos, o IEE ainda é mais rentável , 1,57 versus 1,27 do Ibovespa.

Contudo, a própria ANEEL reconhece que os “rendimentos acumulados pelo IEE em relação ao Ibovespa por si só não é suficiente para que se chegue a conclusões sobre o risco específico do setor elétrico brasileiro”. Para tanto, a agência considera que é necessário avaliar como se comportou a volatilidade relativa das ações do setor elétrico. Logo se precisaria comparar o beta do IEE com o do Ibovespa: “Se o risco do IEE for superior ao risco do Ibovespa, ou seja, se o beta do IEE em relação ao Ibovespa for maior do que 1, (…) haverá um indicativo de que a regulação do setor elétrico implica maior risco e, assim, maior retorno, relativamente ao ´mercado brasileiro`”. Contudo, o beta do IEE em relação ao Ibovespa nos últimos cinco anos foi inferior a uma vez (0,43). Além disso, o beta do setor vis-à-vis o Ibovespa é decrescente nos últimos anos, mesmo com a edição no período da polêmica MP 579 que regulou a renovação das geradoras elétricas.

Esse argumento de que como o beta do IEE e o das empresas elétricas em relação ao Ibovespa são menores do que “um” indica a não existência de risco regulatório me parece fraco. Primeiro porque o Ibovespa é concentrado em poucas empresas e setores – especialmente petróleo, mineração e bancário. Logo um aumento do risco desses setores em relação ao elétrico já faria com que o beta das empresas elétricas fosse menor do que um, mas isso não significa que o risco regulatório do setor seria nulo. Além disso, a característica do setor elétrico de forte geração de caixa implica necessariamente em um beta menor. Esse atributo é intrínseco ao setor. Isso também não significa que a regulação foi eficiente. Uma “outra regulação” poderia até fazer com que a geração de caixa fosse ainda maior e, como consequência, o beta seria muito menor.

Para definir se há ou não risco regulatório, eu prefiro comparar o múltiplo P/L 2015 (preço divido pelo lucro esperado para 2015) das empresas elétricas americanas utilizadas no estudo da ANEEL com o das brasileiras. A agência usou para cálculo do beta do setor dados de 14 companhias americanas. A mediana do múltiplo dessas empresas, obtido do sistema de análise fundamentalista S&P Capital IQ, foi de 15,2 vezes. Já a de oito empresas nacionais foi de 8,5 vezes.

Cias brasileiras

Dois pontos devem ser destacados. O múltiplo das brasileiras merece um desconto dado o diferencial de risco país entre Brasil e Estados Unidos (veja o post “Comparando o múltiplo P/L entre países” de 15 de agosto de 2012) e as empresas brasileiras não são distribuidoras puras. Mas um desconto de 44% é exagerado e pode sim indicar, ao contrário do que argumenta a ANEEL, que existe um risco regulatório no setor elétrico brasileiro se comparado ao mercado norte americano.

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8 Comentários

  1. Gostei do artigo, mas acho que para ilustrar você deveria compara o P/L da Ibovespa com o P/L do S&P 500 atual (esse número eu encontrei, 19,13).
    Me parece que as bolsas americanas estão bem mais “caras” do que a nacional, o que acarreta a essa diferença tão grande nas ações das elétricas.

    1. Oi Ivo
      Além do risco país, o múltiplo do Ibovespa já tende a ser naturalmente inferior ao do S&P500. Primeiro, a composição do S&P500 é mais diversificada do que a do Ibovespa. E segundo, nosso índice é concentrado em cíclicas que apresentam menor múltiplo.
      Mas, quando se compara o mesmo setor como fiz para o elétrico, pode-se deduzir que o alto prêmio das americanas se deve não somente ao risco país, mas também ao risco regulatório.
      Abraço
      André Rocha

  2. Olá, André. Em relação ao P/L, não seria útil analisar o múltiplo histórico? Sabemos que existe um excesso de liquidez no mercado americano que talvez esteja distorcendo as cotações atuais, levando o P/L a níveis não sustentáveis. E no caso do Brasil, vemos o contrário. O ambiente econômico não apresenta uma perspectiva de crescimento positiva, impactando os valuations atuais. Desta forma, a distorção não seria uma questão de risco regulatório, e sim de condições de mercado.
    Em relação ao seu post anterior, “Entendendo a taxa de desconto”, o novo WACC real seria de 7,16%. E considerando Selic a 11% e inflação de 6,50%, temos uma taxa real de 4,23%. Essa diferença de 2,93% (7,16% – 4,23%) seria a compensação pelo risco do setor elétrico? Ou seja, poderia-se dizer que, caso as empresas de transmissão e distribuição estejam propriamente precificadas em bolsa, 2,93% seria o retorno adicional à títulos do governo para correr o risco do setor? Caso este seja o racional, me parece pouco, dado as questões regulatórias que conhecemos.
    Obrigado.

    1. Oi Lucas
      Em relação à sua primeira dúvida, leia meu comentário ao outro leitor.
      Você esta certo, a diferença é o prêmio por investir em elétricas e não em títulos públicos. Mas não necessariamente a diferença será sempre de 2,9%, pois a Selic e a inflação variarão ao longo do tempo. Lembre-se que há poucos meses a Selic estava em 7,25% e a inflação ao redor de 6%. Além disso, o 7,16% é líquido de impostos. No seu cálculo para calcular o 2,9%, você deveria ter deduzido a despesa de IR com alíquota de IR entre 15% e 22,5%, dependendo do período do investimento, sobre a Selic.
      Abraço
      André Rocha

    1. Luiz
      De forma simplificada se considera que o múltiplo P/L representa o número de anos necessários para se obter o valor pago pela ação por intermédio dos lucros distribuídos, desde que atendidas algumas premissas: i) todo o lucro seja repassado aos acionistas e ii) os resultados dos próximos anos sejam iguais aos do ano base.
      Como o múltiplo P/L do S&P 500 está em torno de 19, seriam 19 anos.
      Abraço
      André Rocha

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