Entendendo a taxa de desconto

A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) divulgou recentemente a proposta para o custo de capital a ser utilizado no quarto ciclo de revisões periódicas das concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica a ser aplicado a partir de 2015. Para cálculo da taxa de remuneração dos ativos regulatórios, a agência usou a metodologia do custo médio ponderado de capital (WACC, da sigla em inglês) combinado com o CAPM (“capital asset price model”). O desafio desse modelo é como calcular alguns itens da taxa de desconto como o beta, a taxa livre de risco e o risco de mercado. Outra discussão é sobre a possibilidade de se utilizar o volátil mercado acionário brasileiro como referência. Como a agência lidou com essas questões?

A fórmula do WACC é a seguinte:
WACC = P/(P+D) x kp + D/(P+D) x kd x (1-T)
onde
WACC = custo médio ponderado de capital, a taxa de desconto
Kp = custo do capital próprio
Kd = custo da dívida
P= parcela do capital próprio
D = parcela da dívida
T = alíquota tributária marginal efetiva

Por sua vez, o Kp é dado pela equação kp = rf + β x (rm – rf), sendo
rf = taxa do ativo livre de risco
rm = taxa de retorno do mercado
β = beta da ação

A ANEEL não utiliza o mercado brasileiro como referência para o cálculo de algumas variáveis acima devido (i) a concentração em poucas atividades dos principais índices de referência do mercado acionário brasileiro, dentre esses o Ibovespa, (ii) a grande dependência do mercado acionário brasileiro em relação ao capital estrangeiro, gerando excessiva volatilidade a alterações exógenas à economia brasileira e (iii) a existência de longos períodos dentro do histórico disponível em que o mercado de ações nacional apresentou desempenho inferior às taxas de remuneração de títulos públicos emitidos pelo governo.

Da carteira teórica de final de abril de 2014 do Ibovespa, do IBrX 50, do IBrX 100 e do IBrA, o peso de cinco papéis (Petrobras, Itaú, Itaúsa, Vale e Bradesco), representou 41,6%, 46,8%, 40,9% e 38,4%, respectivamente.

Em relação à influência do capital estrangeiro na bolsa brasileira, basta citar que o investidor estrangeiro representou 51% das movimentações financeiras da Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa ocorrida entre 1 e 25 de abril de 2014.

Dessa forma, a ANEEL utilizou como referência o mercado norte americano, em especial o índice S&P 500. Esse índice é comparado com as ações de empresas americanas que atuam majoritariamente nas atividades de transmissão e distribuição de energia elétrica para cálculo do beta (veja post “As ações defensivas do Ibovespa” de 9 de agosto de 2011, para entender o significado do beta).

A taxa livre de risco é medida pela taxa embutida nos títulos do tesouro norte americano com vencimento de dez anos (USBT10). Como as duas variáveis anteriores são obtidas do mercado dos Estados Unidos, faz-se necessário a incorporação de um prêmio de risco soberano da economia brasileira. Para isso, calculou-se o diferencial das taxas de juros dos títulos públicos brasileiros em relação aos títulos americanos de duração equivalente conforme calculado pelo JP Morgan no Emerging Market Bond Index + Brazil (EMBI + BR).

Assim o prêmio de risco soberano (rs) é integrado à fórmula do custo de capital próprio, passando a ser: Kp = rf + β x (rm – rf) + rs.

A nota técnica número 180/2014-SRE/ANEEL trata ainda, entre outros temas, do cálculo da proporção entre capital próprio e de terceiros.

Com base nas premissas adotadas pela ANEEL, chegou-se as seguintes taxas de remuneração para as distribuidoras, consolidadas na nota técnica 22/2015 SGT/ANEEL:

Kp (custo do capital próprio), depois de impostos = 10,90%
Kd (custo do capital de terceiros), depois de impostos = 5,14%
Alíquota de impostos = 34%
WACC (custo médio ponderado de capital) real, após impostos = 8,09%
WACC (custo médio ponderado de capital) real, antes dos impostos = 12,26%

Muitos podem considerar, precipitadamente, que a taxa de remuneração de 12,26% é baixa vis-à-vis a Selic atual de 11%. Contudo deve-se considerar que o WACC já é líquido da inflação, enquanto a Selic é nominal, sendo necessário ainda descontar a inflação do período que ronda, nos últimos 12 meses, o teto superior da meta de inflação medida pelo IPCA de 6,5%.

A taxa de remuneração das distribuidoras vem se reduzindo ao longo do tempo. Conforme reportagem do Valor Econômico de 11 de junho de 2014, no 1º ciclo em 2003, a ANEEL definiu taxa de retorno real após impostos de 11,26% que em seguida caiu para 9,95% no 2º ciclo em 2007. A remuneração foi reduzida novamente para 7,5% em 2011 no 3º ciclo. Para o próximo ciclo, a agência propôs a remuneração real de 8,04% como explicado anteriormente.

As quedas sucessivas da taxa de retorno acompanharam a redução do risco país no período. Mas pode se considerar que não há espaço para reduções substanciais adicionais caso a política econômica brasileira não passe por ajustes estruturais nos próximos anos.

Outra questão discutida na proposta é a ausência ou não de risco regulatório no setor. Mas isso fica para um próximo post.

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10 Comentários

  1. Olá André, excelente post.
    Achei o custo de capital próprio muito próximo do custo de capital de terceiros. Imaginava que o custo de capital próprio seria bem acima do capital de terceiros. O que poderíamos dizer sobre isso? O setor está captando mal recursos de terceiros? Seria vantajoso continuar captando recursos de terceiros neste patamar de taxa frente ao risco do financiamento (elevando endividamento)?

  2. É necessário incluir parênteses nos denominadores da fórmula do WACC apresentada acima para que ela esteja correta matematicamente. O correto é:
    WACC = P/(P+D) x kp + D/(P+D) x kd x (1-T)

    1. Alexandre,

      A adoção do parenteses no denominador é opcional, mas concordo que fica mais didático quando se usa o Excel. Além disso, não consegui colocar a equação em pé, usando o recurso do word. Na nota técnica da Aneel não é colocado o parêntesis.

      Abraço

      André

      1. André,
        me desculpe, mas não é opcional.

        Sem parênteses, o termo “P/P+D” é igual a 1+D, tendo em vista que P/P é igual a 1.
        Observe que o termo “P/(P+D)” se encontra obrigatoriamente entre zero e um, representando bem a proporção do capital próprio em relação ao capital total da firma, em contraste com o que se obtém sem parênteses, que é superior a um.

        Analogamente, D/P+D não é igual a D/(P+D).
        Vou consultar a nota da Aneel e informá-los sobre a necessidade da inclusão dos parênteses.

        Grato.

        1. Alexandre
          Essa confusão é causada porque não consegui colocar no WordPress a equação em pé usando o recurso do Word. Na nota técnica, a equação está em pé e fica claro que o uso do parêntesis é opcional. Multiplica-se primeiro o kp pelo numerador para posteriormente se dividir esse resultado pela soma do denominador.
          Abraço
          André

  3. Olá, excelente post.
    Realmente o custo de capital próprio fica perto do custo de capital de terceiros. O setor estria arrecadando muito mal os de terceiros.
    att

  4. André,

    Muito bacana o seu post. Tive apenas uma dúvida: para os valores apresentados de Kp e Kd a WACC (antes da dedução dos impostos) não deveria oscilar apenas entre 11,86% e 11,92%, dependendo da proporção do capital próprio e do capital de terceiros? A média ponderada não poderia ser um valor fora desses dois números, poderia?

    Abraços.

    Antonio Bernucci

    1. Oi Antonio

      Sim você está correto. Na verdade houve uma confusão na nota técnica 180/2014 (a que utilizei), retificada pela nota técnica 22/2015. Segue trecho: “Enquanto na NT 180 o custo de capital próprio foi apresentado na forma real e depois dos impostos e o custo de capital de terceiros foi apresentado na forma nominal e antes dos impostos, nesta Nota Técnica optou-se por apresenta-los na mesma base de comparação, ou seja, ambos na forma real e depois dos impostos”.

      Substitui os dados de Kp e Kd utilizando a nota 22/2015.

      Obrigado pela observação.

      Abraço

      André Rocha

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