Alguns analistas e gestores creem que a avaliação de uma empresa é apenas uma questão matemática, talvez fruto da formação acadêmica em ciências exatas. Contudo, há muito percebo que a realidade não é tão precisa. A análise de uma ação mescla números e psicologia. Não por outra razão, as finanças comportamentais e a psicologia econômica ganham cada vez mais destaque. Prova é o Nobel de economia dado ao psicólogo Daniel Kahneman. No 7º Congresso Value Investing Brasil, ocorrido na última quinta feira em São Paulo, Cassiano Leme da Constância Investimentos fez uma interessante apresentação sobre como as ações do Banco ABC Brasil (ABCB4) e as da empresa de shopping Sonae Sierra (SSBR3) negociam com desconto substancial para papéis de algumas empresas como a de varejo eletrônico B2W (BTOW3), a ALL Logística (ALLL3), a varejista Lojas Renner (LREN3) e a de cosméticos Natura (NATU3), apesar de todas terem apresentado crescimento anual de dois dígitos da receita nos últimos seis anos. Por que isso ocorre?
Todas as empresas acima apresentaram crescimento anual de pelo menos 10% tanto da receita quanto do lucro por ação no período entre 2007 e 2013. A exceção foi B2W que teve forte incremento apenas da receita, pois a empresa apresentou prejuízo no período. Apesar disso, enquanto ABCB4 e SSBR3 apresentam múltiplo P/L (preço por lucro) de 7,1 vezes e 6,2 vezes, respectivamente, LREN3 e NATU3 negociam a cerca de 20 vezes e ALLL3 a 28,4 vezes. Uma explicação é o maior retorno sobre o patrimônio líquido ou ROE na sigla em inglês (“retorn on equity”) de Natura e Renner em relação aos do banco e da administradora de shopping. Mas como explicar que ALLL3 negocie a um prêmio tão alto sobre as duas se o seu ROE médio do período foi de 5% frente a 16% de ABCB4 e 12% de SSBR3? E como defender que B2W apesar de apresentar rendimento negativo, negocia a múltiplo P/VPA de 5,6 vezes contra 1,0 vez o múltiplo do banco e a 0,6 vez de Soane Sierra?
Temos que recorrer a elementos subjetivos ou mesmos psicológicos para tentar elucidar a questão. Será que os papéis de B2W e da ALL não negociam a esses múltiplos devido ao fato de terem sido criadas pelos três ex-Garantia: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira? Se essa hipótese for verdadeira, o carimbo desses notáveis empreendedores parece dar um charme especial a essas ações apesar do resultado operacional claudicante. E o que isso tem a ver com o cartesianismo tão apregoado por alguns gestores e analistas?
Mesmo no caso das ações de Natura e Lojas Renner, será que a diferença de ROE para o de ABC Brasil e Soane Sierra justifica que as ações dessas últimas negociem com desconto por P/L de quase 70% para as duas empresas de consumo? Podemos recorrer à outra explicação subjetiva. O setor de consumo tem tido a preferência dos investidores nos últimos anos em relação a atividades cíclicas como a bancária. Esse fato tem impulsionado os múltiplos das ações das companhias do setor, elevando-os para recordes históricos.
Em um segundo slide, Leme recomenda o que um investidor com foco na análise fundamentalista e escravo dos números deveria adotar. Você vai encarar ir contra o trio Lemann, Telles e Sicupira ficando vendido em ALL e B2W e evitando daqui por diante Lojas Renner e Natura? Quem dera a avaliação de uma empresa fosse tão cartesiana. Mas, por outro lado, melhor assim. Isso significa vida longa a profissão de analista de investimentos. Nesse mercado as máquinas terão sempre papel auxiliar.
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Sobre o banco ABC Brasil, não seria algo relacionado ao setor bancário/financeiro ? O mercado pode ter preferência por outros papéis do mesmo setor. A composição acionária também deve pesar: o controlador tem 88% das ONs, os administradores 12%. Eu, no meus estágio de conhecimento atual, só invisto em ações ordinárias. Será que algo parecido não pode estar relacionado com o desconto sobre as ações do banco André ?
Oi Celso
Vários faores pesaram (ou ainda pesam) sobre o setor bancário brasileiro: (i) o risco de uma ruptura do sistema financeiro europeu até 2012; (ii) a aversão dos investidores por setores ciclicos e (iii) atualmente, o risco de indenizações referentes a remuneração da poupança durante os planos econômicos.
Além do cenário macroeconômico, as ações dos bancos menores foram estigmatizados em decorrência da quebra de Cruzeiro do Sul, Panamericano … Sem contar a naior dificuldade para obtenção de funding.
Abraço,
André Rocha
Bom dia André.
Parabéns por mais um excelente post.
Gostaria de fazer algumas considerações sobre algumas dúvidas que tenho sobre investimentos, rubrica que deve ser usada no cálculo do fluxo de caixa.
Se puder dar uma olhada, e eventualmente me corrigir, ficarei muito agradecido.
Se não estou equivocado, o Capex é um investimento de longo prazo que, quando combinado com o ROE ou ROC indicará o crescimento de uma companhia.
A outra parcela dos investimentos seria a variação no capital de giro durante um determinado período.
Feitas essas considerações, seria correto dizer que o investimento total ou taxa de reinvestimento de uma empresa é a soma do Capex + Variação do Capital de Giro?
Obrigado e parabéns pelo trabalho.
A Sonae Sierra é descontada pq considera a valorização dos imóveis como lucro e chega a bizarrice de ter o lucro bem superior à receita (sem esse artifício teria prejuízo). Nem todas do setor fazem isso (a saber: Iguatemi, Multiplan e Aliansce).
Oi Carlos
Você tem um bom ponto. Mas (i) a BR Malls, a maior do setor, também adota essa prática e (ii) a atualização dos ativos vale para os dois lados. Em caso de desvalorização, a cia apresentará um prejuízo. Além disso, analisando literalmente as novas regras contábeis emanadas pelo IFRS, os ativos devem estar marcados a mercado. A atualização deve ser periódica. Assim, Sonae e BR Malls estariam cumprindo essas regras. Mas a interpretação é polêmica.
Abraço
André Rocha