Recentemente tanto a empresa de varejo eletrônico, B2W (BTOW3) e a rede de farmácias, Brasil Pharma (BPHA3), anunciaram um aumento de capital com o objetivo de reforçar o caixa das companhias. Os controladores das duas empresas, as Lojas Americanas e o BTG Pactual, respectivamente, sinalizaram que consideravam a cotação atual de mercado depreciada e se comprometeram também em aportar recursos. Com isso, o mercado reagiu positivamente ao aumento de capital. Contudo, existem diferenças significativas entre as duas emissões.
No post “Quem errou na avaliação da B2W: o mercado ou o controlador?”, de 4 de fevereiro de 2014, analisei o aumento de capital da companhia. Causou surpresa o tamanho da emissão de novas ações, próximo ao valor de mercado da empresa de cerca de R$ 2,5 bilhões e o preço de emissão muito superior à cotação de mercado, R$ 25 e R$ 15,50, respectivamente.
Pode-se inferir que as Lojas Americanas pertencentes ao trio ex-Garantia Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles consideravam que o valor de mercado estava muito aquém do potencial da companhia ao anunciar um preço de emissão tão elevado. O mercado parece não ter questionado essa enorme discrepância de preços, pois, após o anúncio, as ações convergiram para um valor próximo (R$ 23,10) ao preço anunciado da capitalização. Além disso, o fundo americano Tiger se comprometeu a entrar no capital da B2W, subscrevendo entre R$ 459,2 milhões e R$ 1,2 bilhão. No caso da B2W, a subscrição foi pública, pois permitiu a entrada de novos sócios na companhia.
Já a operação da Brasil Pharma possui características diferentes. A subscrição é privada, ou seja, apenas os sócios atuais podem subscrever os novos papéis a serem emitidos. Essa é a primeira diferença entre o aumento de capital da Brasil Pharma e o da B2W. Há uma segunda.
A capitalização será feita para reduzir o endividamento da companhia, pois a empresa descumpriu compromisso assumido com os debenturistas. A cláusula do contrato fixa a a relação entre dívida líquida e Ebitda em no máximo 3 vezes. Contudo, no quarto trimestre de 2013, essa relação chegou a 3,3 vezes. Com isso, o resgate das debêntures pode ser antecipado. Após a divulgação do resultado do quarto trimestre, as ações tiveram queda de 11,39%. Com a nova emissão, a administração acredita que a relação caia para abaixo de 3 vezes.
Antes da divulgação do resultado (26 de março), as ações estavam negociando a R$ 4,39. O conselho de administração da companhia aprovou, no dia 9 de abril, aumento de capital de R$ 400 milhões de ações a 3,75 por ação, superior ao preço do dia anterior (R$ 3,52), mas ainda inferior à cotação de antes do anúncio do quarto trimestre. Além da emissão, a companhia concederá bônus de subscrição aos acionistas que adquirirem as novas ações. Esse bônus poderá ser exercido em até dois anos, ao preço de R$ 5,50. O mercado parece ter se animado com a operação, pois após a divulgação do aumento de capital, as ações chegaram a negociar a R$ 4,11 em 11 de abril, quase 10% acima do valor do aumento do capital.
Aqui temos a segunda diferença entre a operação da B2W e a da Brasil Pharma. Na primeira, o valor de subscrição foi acima do valor de mercado, demonstrando de forma inequívoca que o controlador acredita na empresa (se ele está certo ou não só o tempo dirá). Já na farmacêutica, o preço de emissão foi inferior à cotação do dia anterior à divulgação do quarto trimestre. Alguém pode alegar que a emissão do bônus indica que o controlador está otimista. Mas o bônus é apenas uma expectativa de direito. Se a cotação de mercado não superar R$ 5,50 durante o intervalo de dois anos, não há sentido em subscrevê-lo. O bônus virará pó.
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Isso deixa claro o antagonismo ente a capacidade de gestão dos controladores. Enquanto um tem foco inequívoco na geração de valor ao acionista através da melhoria da gestão e performance operacional e financeira, o outro visa apenas recuperar o próprio investimento, que pode ser comprovado pelo desempenho pífio das companhias que administra…
A empresa B2W é um exemplo interessante para desmistificar a imagem que fazemos dos gurus do investimento em bolsa de valores e mostrar que mesmo eles, por mais bem preparados que sejam, também estão expostos aos fatores imponderáveis dos mercados e dos negócios.
Analisando o resultado das principais empresas do trio Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles podemos classificá-las em 3 grupos:
1) AB Inbev, Burger King e Heinz: Empresas rentáveis e lucrativas, geradoras de caixa e sem endividamento expressivo e excelente governança. Empresas sólidas;
2) Lojas Americanas: Empresa rentável e lucrativa, dentro das margens do varejo, possuindo governança razoável porém com crescimento dependente de endividamento. Empresa alavancada;
3) B2W e ALL Logística: Empresas deficitárias, com endividamento maior que o patrimônio líquido e governança corporativa muito ruim. Empresas insustentáveis sem interferência externa e dependentes de enorme alavancagem.
Mesmo com alto nível de preparo e pragmatismo, além de vivenciarem o mercado financeiro e empresarial há mais de 40 anos, notamos que a “carteira de ações” deles não é muito diferente da de muitos investidores não-profissionais, ou seja metade com empresas boas e metade com empresas ruins.
Mesmo com uma carteira de ações nos padrões normais, as notícias que vemos a respeito dos gurus somente focam as empresas de sucesso, sendo que as deficitárias nunca são citadas. Creio que as pessoas precisam de esperança para continuar investindo na busca da realização financeira e pessoal e logo, a necessidade de mitos.
Neste cenário coloco duas considerações para debatermos sobre o comportamento destes gurus e o que podemos aprender com eles, sem mitologia. Outros aspectos para debate serão bem vindos:
1 – A necessidade de diversificação consciente e inteligente.
Por mais potencial que tenham ou bem geridas que sejam, as empresas estão expostas a muitas variáveis incontroláveis como interferência governamental, concorrência, além das nuances do comportamento de seus executivos e funcionários. Mesmo com toda a influência política e informações privilegiadas, estes investidores não conseguem controlar estas variáveis.
2 – Qualidade e força da economia dos países.
Pode ser coincidência ou não mas da “carteira” de nossos gurus as empresas que pior performam atendem exclusivamente o mercado brasileiro. Por mais potencial que tenham, vão mal tanto as ligadas a infra-estrutura como a ALL como Americanas e B2W, varejo loja física ou i-commerce. Será que a grande sacada deles foi tirar o foco de empresas restritas ao nosso mercado, fraco e excessivamente regulado pelo estado e voltar-se a mercados capitalistas de fato ?
Abraço a todos.