O fracasso (?) de Benjamin Graham na bolsa atual

O cultuado investidor Benjamin Graham não tem feito muito sucesso. Sua estratégia parece antiquada. Ao contrário da maioria dos gestores atuais, Graham não fazia projeções dos resultados das empresas. Seus cálculos se baseavam nos lucros pretéritos. Graham buscava ações de empresas sólidas a preços módicos. Hoje, a questão do preço parece secundária. Ações caras são compradas na expectativa do crescimento futuro dos resultados das companhias. Mas se as lições de Graham podem não ter sido suficientes para a escolha das ações de melhor desempenho nos últimos anos, elas impediram que os investidores aplicassem em papéis como as da petroleira OGX, por exemplo, que causaram enormes prejuízos. Somente por essa contribuição, a leitura de Graham já seria fundamental.

No já lendário e imprescindível livro “O investidor Inteligente”, Benjamin Graham classificava os investidores em dois tipos: (i) o defensivo ou passivo e (ii) o empreendedor ou ativo ou agressivo.  O primeiro não dedica muito tempo na análise das ações. Ele “procurará, principalmente, evitar perdas ou erros graves”. Por sua vez, “o traço determinante do investidor empreendedor é sua vontade de dedicar tempo e dar apuro à seleção de títulos que sejam seguros e mais atraentes do que à média”.

A pedra basilar da estratégia de Graham é comprar ações baratas. Mas como definir se uma ação está cara ou barata? Segundo Graham, pela análise de múltiplos como o P/VPA (preço por valor patrimonial por ação), o P/L (preço por lucro) e pelo retorno com dividendos (“dividend yield”). Graham era cético em relação à projeção de resultados, logo seus múltiplos eram calculados com base nos resultados históricos. Na edição do livro de 1973, Graham já reconhecia que a maioria dos investidores faziam seus cálculos com base nos resultados futuros. Hoje, mais do que nunca, a utilização dos múltiplos com resultados projetados é quase unânime. Não critico a estratégia, mas o leitor/investidor tem que estar consciente dos riscos dessa escolha.

No capítulo 14 “A escolha de ações para o investidor defensivo”, Graham recomendava a esse tipo de investidor duas possíveis abordagens.Na primeira, ele deveria comprar uma carteira que replicasse um dos principais indicadores do mercado  – o índice Industrial Dow Jones. Embora essa tática possa fazer sentido no mercado americano no qual o índice é diversificado setorialmente, essa estratégia é perigosa no Brasil, cujos principais referenciais – o Ibovespa e o IBrX – são concentrados em alguns poucos setores como o de commodities, elétrico e o financeiro.  Já a segunda abordagem pode ser interessante para o investidor brasileiro. Graham recomendava “aplicar uma bateria de testes a cada compra para se certificar de obter (1) um mínimo de qualidade no desempenho passado e na posição financeira atual da companhia e também (2) um mínimo de quantidade em termos de lucros e ativos por cada dólar do preço”. No primeiro teste se verificaria a evolução dos resultados da empresa nos últimos anos e sua situação financeira atual. Graham dava muito importância ao capital de giro (ativo circulante menos passivo circulante) e ao nível de endividamento. No segundo, a análise por múltiplos, privilegiando aquelas ações que apresentassem menores indicadores.

Graham recomendava ao investidor defensivo observar sete critérios caso adotasse a segunda abordagem:

1)      Tamanho adequado da empresa – a ideia era “excluir companhias pequenas que possam estar sujeitas a adversidades acima do normal, principalmente no setor industrial”.

2)      Condição financeira suficientemente forte – “No caso das companhias industriais, o ativo circulante deveria ser, pelo menos, o dobro do passivo circulante”. E “o endividamento de longo prazo não deveria exceder o patrimônio líquido circulante (ou “capital de giro”)”.

3)      Estabilidade de lucros – A empresa deveria ter apresentado lucro em todos os anos do último decênio.

4)      Histórico de dividendos – “Pagamentos ininterruptos durante, pelo menos, os últimos vinte anos”.

5)      Crescimento dos lucros – “Aumento de, pelo menos, um terço no lucro por ação durante os últimos dez anos usando médias trienais no início e no fim”.

6)      Razão preço / lucro moderada – “o preço atual da ação não deveria ser maior do que 15 vezes os lucros médios dos últimos três anos”.

7)      Razão preço/ativo moderada – “O preço atual não deveria ser maior do que 1,5 vez o último valor contábil divulgado. No entanto, um múltiplo de lucros inferior a 15 poderia justificar um múltiplo de ativos correspondentemente maior”. Como regra, nesses casos, Graham sugeria que a multiplicação do P/L pelo P/VPA não deveria exceder a 22,5.

Esses critérios teriam impedido que o investidor comprasse algumas ações que tiveram excelente desempenho no passado recente como Ambev (AMBV3) e Lojas Renner (LREN3), por exemplo. Mas, por outro lado, o investidor teria ficado fora de OGX (OGXP3) e de diversas outras empresas pré-operacionais que vieram a mercado e tiveram desempenho pífio.

Os critérios de Graham a serem seguidos pelo investidor empreendedor são menos restritivos. Dessa forma, esse tipo de investidor poderia ter surfado melhor a bolsa dos últimos anos. Mas isso já é assunto para outro artigo.

11 Comentários

  1. Fica estranho levantar a dúvida se o fracasso da filosofia de Ben Graham de fato ocorreu em 2013. Principalmente, porque para um autor/gestor que além de tudo, pregava que o longo prazo era o único “tiro certeiro” em investimentos, questionar suas técnicas em apenas 1 ano de base de comparação (especificamente o ano em que praticamente todas as filosofias se aplicadas, provavelmente não geraram resultados tão positivos), não é justo.
    Seja qual for a preferência e identificação da filosofia do investidor, é unânime que o longo prazo (no mínimo 5 anos), é sim a melhor estratégia de todas.

    1. Bruno,

      Como disse no texto a estratégia de Graham não tem funcionado nos últimos anos (não apenas em 2013) para selecionar os melhores ativos, mas continua últil para evitar a compra de ações problemáticas.

      Abraço

      André Rocha

      1. André,
        Creio que para definir como fracasso vc deve primeiro definir quantos anos que tem fracassado tal estratégia. Quem entrou no mercado depois de outubro de 2008 com a estratégia dele, com certeza foi o maior vitorioso.

        Quais são os fundamentos empíricos que o senhor fez para definir a estratégia como fracasso. Você pode nos mostrar?

        Att.
        Filipe.

  2. Ótimo artigo!

    No dia a dia vejo vários colegas do mercado financeiro em discussão sobre os estilos de gestão de carteira, principalmente Value vs Growth. Sou tendencioso ao estilo Value, mais penso que assumindo postura Blend com inclinação a um dos demais estilo possa superar o mercado. Neste sentido, posso aproveitar crescimento de alguns papeis como a ABEV que você comentou no artigo.

    Qual a sua visão sobre assunto?

    Grande abraço!

    1. Boa pergunta Ronan,

      Atualmente, caso tivesse uma carteira de terceiros para gerir, com base na minha experiência em gestoras e corretoras, adotaria a postura de Graham em 50% do portfolio e, nos demais 50%, adotaria uma postura value investing qualitativa. Nessa parcela, tentaria aproveitar oportunidades de curto prazo quando possível, não superando 15% do total da carteira.

      Segue post que mostra as diferenças entre o value investing quantitativo (Graham) e qualitativo (Fisher, Buffett): https://estrategista.net/o-que-e-um-investidor-de-valor/

      Abraço

      André Rocha

  3. O seu aluno, Warren Buffett, aprimorou as técnicas do mestre B.G ,e se voltar no tempo, veremos o mesmo ocorrendo com as técnicas do lendário Jesse Livermore e por aí vai. As técnicas não eram erradas, e sim, compatíveis com o momento e qualidade das informações. Como fazer previsões precisas tomando por base informações imprecisas? Era a época em que se contavam vagões de trens para se ter uma ideia do que a empresa “X” fazia.

    Bons negócios,

    Rene

  4. Prezado André Rocha,

    Para um investidor comum, do qual eu me incluo, que tem pouca capacidade de analisar e aplicar todas essas critérios/variáveis do método Graham/Buffet, existe algum softwere/aplicativo que possa fazer todas essas análises sobre os papéis da Bovespa e assim determinar quais ações estão boas para serem adquiridas; bem como o momento que deveríamos nos desfazer delas usando esses mesmos critérios?

    1. Caro Carlos

      Não conheço um software com essas características. O investimento em ações não é uma ciência exata. A análise ainda depende da avaliação humana.

      Por que você não aplica em fundos de ações livre? Você transfere a análise para as mãos de um gestor profissional.

      Tenho a ideia de indicar investidores para um fundo no qual haja uma maior interação entre cotistas pessoa física e gestores. O mercado sente falta de um produto como esse. Por ora, tenho feito análise das carteiras de ações de alguns leitores.

      Abraço

      André

    2. Sou programador e desenvolvi esse software para mim mesmo 🙂
      Mercado de Ações não é ciência exata, então é bom sempre olhar e analisar de quais empresas você está comprando as ações, mas o software de fato tem me ajudado.

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