O efeito da venda de ativos na dívida e no múltiplo FV/Ebitda

Embora muito criticado, o múltiplo FV/Ebitda ganhou popularidade nos últimos anos. Algumas empresas brasileiras como Vale (VALE5), a de telecomunicações Oi (OIBR4), Fibria (FIBR3), Marfrig (MRFG3) e Suzano (SUZB5) têm recorrido à venda de ativos não estratégicos para redução de suas dívidas o que produz impacto sobre o múltiplo. Com base na estratégia de desalavancagem da companhia e na análise do múltiplo FV/Ebitda, o blog O Estrategista já havia inclusive indicado a possibilidade de valorização das ações de Suzano em post do início de 2012. Entenda como a operação de venda de ativos afeta a análise por múltiplos.

O firm value (“FV” ou valor da firma, em português) é calculado somando-se o valor de mercado da empresa (base acionária multiplicada pela cotação) com o endividamento oneroso líquido, ou seja, a dívida contabilizada no passivo menos o caixa alocado no ativo. O Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) é considerado, grosso modo, a geração operacional de caixa da companhia, embora essa aproximação seja imperfeita. Embora a crítica seja pertinente, a utilização do múltiplo FV/Ebitda se disseminou, logo é necessário entender como os investidores o utilizam.

Considere ume empresa que gere um Ebitda de R$ 100 milhões anuais e tenha um valor de mercado de R$ 200 milhões e uma dívida líquida de R$ 400 milhões, logo um valor da firma de R$ 600 milhões. Dessa forma, a empresa estaria negociando a um múltiplo FV/Ebitda de 6 vezes. Imagine que a empresa tenha ativos não estratégicos avaliados a R$ 100 milhões e que esses não produzam resultado, nem negativo nem positivo. Com a venda desses ativos, a companhia pode reduzir sua dívida em R$ 100 milhões. Com isso, o valor da firma cairia para R$ 500 milhões e o múltiplo para 5 vezes. Qual seria a provável reação do mercado com a atitude tomada pela administração? Fazer com que o múltiplo voltasse a negociar a 6 vezes. Dessa forma, o valor de mercado se elevaria para R$ 300 milhões, 50% superior à situação inicial. Em outras palavras, o preço da ação aumentaria nessa proporção.

Com as economias brasileira e mundial cambaleantes nos últimos anos o que restringe o crescimento das vendas,  a estratégia de vender ativos não estratégicos tem sido bastante utilizada.

A mineradora Vale vendeu US$ 6 bilhões em ativos ao longo de 2012, conforme noticiado pelo Valor Econômico em 27 de dezembro último. No final de dezembro, a empresa vendeu sua participação na companhia de logística Log In em leilão na bolsa de valores por R$ 234,8 milhões. Em setembro, a empresa alienou 62,4% da Valor da Logística Integrada (VLI), focada no transporte de cargas, por R$ 4,7 bilhões (US$ 1,990 bilhão).

“A companhia também vendeu a fatia que detinha na fabricante norueguesa de alumínio Norsk Hydro, por US$ 1,82 bilhão, considerado o exercício de opções. Além disso, acertou a venda da produção de ouro em Salobo, no Pará, e de níquel em Sudbury, no Canadá, por US$ 1,9 bilhão.

Em dezembro, a Vale concluiu a venda de quase metade de sua participação de 9% na Norte Energia, empresa responsável pela construção, operação e exploração da usina hidrelétrica de Belo Monte (PA), para a Cemig, por US$ 90 milhões.

A empresa também se desfez da produtora de cobre Minera Tres Valles, por US$ 25 milhões, para a Inversiones Porto San Giorgio (ISG) – empresa controlada pelo grupo chileno Vecchiola. Em linha com a estratégia de levantar recursos para os projetos de minério de ferro, a Vale alienou ainda uma fatia de 44% na Fosbrasil para a Israel Chemicals, por US$ 52 milhões.”

E essa estratégia deve continuar ao longo de 2014, segundo o jornal: “entre os itens disponíveis para venda estão a fatia de 40% que tem na Mineração Rio do Norte (MRN) e ativos de óleo e gás, geração de energia e parte da frota de navios. A companhia disse que pretende reduzir a participação de 70% no corredor logístico de Nacala, em Moçambique, à metade.”

A telefônica Oi também tem se valido desse expediente para reduzir o endividamento. Em 2013, a companhia arrecadou R$ 4,167 bilhões com a venda de torres (R$ 2,211 bilhões), da Globenet, de cabos submarinos (R$ 1,750 bilhão) e com imóveis (R$ 210 milhões). Após o anuncio da venda de 2.007 torres à SBA Torres Brasil no início de dezembro, as ações preferenciais (OIBR4) e ordinárias (OIBR3) tiveram alta de 13,06% e de 11,58% em apenas um pregão.

A fabricante de celulose Fibria (FIBR3) pretende levantar R$ 1 bilhão com a venda de florestas plantadas de eucalipto localizadas em diversos Estados brasileiros. Segundo apurou o Valor Econômico em reportagem de novembro : “a direção da Fibria vem reiterando há meses a intenção de vender ativos que não são considerados estratégicos, com vistas à redução do endividamento e reconquista da nota grau de investimento junto às agências de classificação de risco de crédito”.

A empresa de proteína animal Marfrig (MRFG3) também adotou essa tática ao repassar a Seara Brasil e a Zenda para a concorrente JBS em junho deste ano por R$ 5,85 bilhões, numa operação envolvendo assunção de dívidas pela JBS.

Por fim, a empresa de papel e celulose Suzano (SUZB5) efetuou algumas vendas para reduzir seu passivo. Como consequência, o preço de suas ações apresentaram forte valorização de 40,5% desde dezembro de 2011. O blog havia comentado sobre a possível apreciação dos papéis em post de 2 de janeiro de 2012: “A tese de investimento de Suzano possui riscos, mas pode trazer excelente retorno aos acionistas se a administração for bem sucedida na sua estratégia de desalavancagem. Mesmo com o múltiplo permanecendo constante, a ação tem espaço para valorização. Quem sabe 2012 não será melhor para as ações preferenciais (SUZB5), após a queda de 52,6% em 2011?”

Contudo, apenas a decisão de vender ativos não significa a redenção da companhia. É necessário que após a operação, a companhia esteja bem posicionada em seu segmento de atuação e gere caixa operacional consistente. Só assim, as ações tendem a se apreciar. Do contrário, as operações de venda apenas postergarão o problema. Nos casos analisados acima, Marfrig e Oi, mesmo com essas vendas, podem não conseguir superar seus importantes problemas estruturais.

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16 Comentários

  1. Caro André,
    gostei do artigo, mas gostaria de complementar com uma questão importante para a utilização dessa alavanca de venda de ativos: a contribuição desses ativos à geração de Ebitda. Ou seja, a venda desses ativos, em geral, contribui para uma redução do Ebitda recorrente da empresa, dado que o ativo em questão provavelmente gerava alguma contribuição ao resultado (Ebitda) da empresa. Dessa forma, mesmo com a premissa de manutenção do múltiplo FV/Ebitda após a operação de venda, só haveria geração de valor para o acionista caso o valor da venda do ativo dividido pelo Ebitda que era gerado por esse ativo fosse superior à relação FV/Ebitda da empresa antes da operação de venda, isso porque somente nesse caso a relação FV/Ebitda após a operação de venda seria reduzida, abrindo espaço para a valorização das ações caso a premissa de recomposição do múltiplo FV/Ebitda fosse mantida.
    Utilizando seu exemplo didático do artigo, caso o ativo vendido por R$ 100 milhões gerasse uma contribuição ao Ebitda de R$ 10 milhões, o novo Ebitda recorrente da empresa seria de R$ 90 milhões. Caso o múltiplo FV/Ebitda fosse recomposto para 6, o novo valor de firma seria de R$ 540 milhões, o que implicaria um market value de R$ 240 milhões, com valorização de 20% das ações (um tanto menor do que os 50% que seriam auferidos sem considerar a contribuição ao Ebitda do ativo vendido). A valorizçação das ações ainda ocorre porque, no meu exemplo, o múltiplo do valor do ativo dividido pela sua contribuição ao Ebitda é de 10 (R$ 100 milhões / R$ 10 milhões), portanto maior que o FV/Ebitda da empresa.
    Por outro lado, caso o ativo vendido por R$ 100 milhões gerasse uma contribuição ao Ebitda de R$ 20 milhões (múltiplo de 5), haveria uma diluição do valor da ação, visto que o Ebitda recorrente cairia para R$ 80 milhões, e mesmo com o múltiplo FV/Ebitda mantido em 6, o VF da empresa seria de apenas R$ 480 milhões, gerando um market value de R$ 180 milhões, inferior aos R$ 200 milhões iniciais (perda de 10% de valor para o acionista).
    Essa é uma questão importante e acredito que tem sido pouco considerada pelo mercado. Vale lembrar que a redução do Ebitda recorrente da empresa após a venda do ativo pode vir tanto da redução de receita (gerada por esse ativo vendido) quanto do aumento de despesa (necessidade de aluguel do ativo que não é mais da empresa). Em minha opinião, o mercado deveria questionar mais a empresa sobre o impacto dessas operações ao Ebitda recorrente, de forma que fiquem mais claros os ganhos que podem ser auferidos com a operação.
    Obrigado.

    1. Marcos,
      Seu comentário está correto.
      Mas o que acontece muitas vezes é que essas operações que são vendidas geram resultado negativo por não serem da atividade fim da empresa.
      Outro ponto a ser considerado é que, em outras ocasiões, o mercado não precifica direito essas unidades de negócios ou ativos e a venda acaba saindo por um múltiplo implícito superior ao do que a empresa como um todo negocia em bolsa. No jargão de mercado, chamam-se esses ativos de “hidden value” ou algo como valores escondidos ou ocultos.
      Abraço
      André Rocha

  2. Parabéns pela matéria. Texto prático sem jargões, linguagem clara e objetiva serve de parâmetro para investidores. Lembrando-se que rentabilidades passadas não são sinônimos de rendimentos futuros.

  3. Boa analise para acompanhar o desempenho dessas ações e outras que estarão desenvolvendo a mesma linha de venda de ativos não estratégicos em um ano que teremos um crescimento pífio da economia com juros elevados e inflação alta.
    Obrigado André pela suas dicas.

  4. André,

    Venho por meio deste comentário parabenizar o seu trabalho em seu site. Sou estudante de graduação em Ciências Contábeis recem formado e, apesar de não ter $ para investir, gosto de acompanhar o cenário do mercado e seus posts são sempre de muita qualidade, até mesmo para pessoas com menos conhecimento técnico como eu.

    Parabéns.

  5. Andre,

    Excelente artigo. Gostaria de acrescentar que vender ativos não estratégicos , independentemente dos efeitos no valor das ações, é uma boa pratica gerencial, pois além de reduzir a complexidade da operação, mantém o foco nas atividades-fim. Vale para medias empresas ou grandes organizações.

    Abraço do seu leitor,

    Paulo

  6. Olá André, excelente artigo.
    Quando o mercado corre para apreciar o indicador de 5 para 6 vezes, temos que considerar que estão valorizando um nível de atividade que será menor (venda dos ativos), ou seja, o tamanho do bolo/pizza diminuiu mas os participantes da festa não (acionistas). Será que nao deveria utilizar algum indicador de resultado sob a ótica do patrimônio líquido para avaliar se cabe participar do movimento de valorização da empresa?

    1. Andre,

      Na verdade, o tamanho da empresa não se reduziu. O imobilizado diminuiu, mas o caixa aumentou. A ida do múltiplo de 5 para 6 vezes foi somente para voltar ao múltiplo original.

      Abraço

      André Rocha

      1. Olá André, entendi.
        Considerando que o ativo nem destrói valor e nem agrega valor (que foi o exemplo do artigo) ok mas e se o ativo vendido estivesse gerando valor? Tem também o fator da distribuição de dividendos com o caixa aumentado pela venda do ativo que gostaria que comentasse, por favor.

        1. Oi Andre
          Nesse caso, é importante ver a taxa de retorno obtida com a venda do ativo. Se superior a do custo próprio de capital, a venda foi boa para a empresa. Na prática, na maioria das vezes, é difícil o analista externo ter dados suficientes para fazer esse cálculo.
          Caso se adote apenas a análise por múltiplos, se o múltiplo da venda do ativo for superior ao de como empresas ou ativos similares negociam no mercado, a operação pode ser considerada lucrativa.
          Quanto aos dividendos pagos decorrentes da venda, caso o ativo tenha sido vendido pelo preço justo, eles não impactam o preço justo da empresa, pois a renda gerada pelo ativo já era considerada no fluxo de caixa da empresa.
          Abraço
          André Rocha

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