Carteira de ações defensiva – quem joga na defesa perde

A montagem de uma carteira de ações defensiva é uma recomendação recorrente de consultores e corretoras em momentos de crise. Mas cuidado. Esse conselho aparentemente coerente apresenta um erro conceitual serio.

A cena é comum. O técnico de futebol satisfeito com o resultado faz substituições, trocando atacantes por defensores. O time então passa a ser sufocado pelo adversário. Mal consegue ultrapassar a linha do meio campo. E tome pressão: escanteios, bola na trave, defesas milagrosas do goleiro. Até que o adversário faz o gol e vence a partida. Situação similar ocorre com o detentor de uma carteira de ações defensiva.

Mas o que é uma carteira defensiva? Para responder é necessário entender o conceito de “beta”. Calma, não se assuste. Mais importante do que fazer o cálculo estatístico, é entender o resultado. O beta é a relação ao longo de um período entre o preço da ação de uma companhia e um índice de mercado como o Ibovespa e o IBrX, por exemplo (veja conceito de beta no post “As ações defensivas do Ibovespa”, de 9 de agosto de 2011). Caso o resultado seja inferior a 1, dizemos que a ação é defensiva, pois a tendência é de que ela tenha um desempenho melhor do que a do índice em tempos de crise. Por outro lado, a performance deve ser pior do que a do índicador em mercados altistas. Empresas com ações defensivas geralmente apresentam resultados mais estáveis, menos afetadas pelos ciclos econômicos.

Contudo, embora em épocas de mercado em baixa essas ações devam ter desempenho melhor do que a do índice, a rentabilidade tende a ser inferior a de um investimento mais conservador como a poupança ou o CDB de um grande banco.  Então qual a razão para ter uma carteira defensiva nesses momentos? Se você acredita que o mercado terá um mau desempenho no curto prazo, a melhor estratégia é alocar seus recursos em títulos vinculados à Selic, por exemplo. Você não é o gestor de um fundo de ações que necessariamente tem que manter posição em ações independentemente do cenário traçado. Aqui reside o principal erro dos consultores: não perceberem que os objetivos desses dois tipos de investidores são distintos. A recomendação direcionada ao investidor pessoa física deve ser diferente da sugerida ao gestor de carteira. Por outro lado, se o mercado engatar uma alta, a carteira defensiva ficará para trás. Logo a carteira defensiva não é vitoriosa em qualquer cenário. Em mercados em baixa, perdem para investimentos mais seguros e na alta tende a perder para o índice.

A dica é o investidor ter uma carteira balanceada com ações defensivas e cíclicas e não um portfólio formado exclusivamente por ações defensivas. A carteira do Valor de setembro é um bom exemplo. Formada pelas recomendações de dez corretoras, seu perfil é bem diversificado com ações defensivas (Ultrapar, Cemig e CCR), exportadoras (BRF e Vale), empresas relacionadas a serviços financeiros (BB Seguridade, Cetip e Itaú Unibanco) e a companhia de educação Kroton.

Uma carteira defensiva é um passo para o insucesso em qualquer cenário. Como um bom time de futebol o que vale é o equilíbrio com a proporção adequada de zagueiros, volantes, armadores e atacantes.

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7 Comentários

  1. Nossa, excelente artigo! Adorei. Parabéns. Eu nunca havia pensado nessa comparação entre carteira defensiva e títulos atrelados à SELIC em momentos de crise, com vantagem para os segundos.

  2. Prezado André,

    A revista Exame publicou mais de uma vez (e pode ser achado no site da mesma com alguma facilidade) listas das “melhores ações” em determinadas faixas de tempo. Se pesquisarmos o Beta dessas ações (desconsiderando que o Beta hoje não é o mesmo de 5 ou 10 anos atrás) várias dessas que tiveram performance superior têm Beta menor que o Ibovespa. Sendo assim, um investidor que conseguisse na análise investir nessas ações teria tido um retorno de longo prazo maior que o Ibovespa somente com ações “defensivas”. Ações como AMBEV, CCRO, CRUZ, TRPL, etc. Não tenho a expectativa de aqui e agora chegar a uma afirmação com validade científica, mas tendo essas ações em mente e pensando que (ainda mais) no longo prazo o que valoriza são lucros /fluxo de caixa positivos constantes, não vejo porque o fato de um preço variar mais (mais Beta) vai garantir mais retorno.

    Talvez poderia-se afirmar que pelo preço variar mais (mais Beta = mais risco) os investidores exigiriam um prêmio maior por comprar aquela ação. Mas aí me pergunto se do ponto de vista da matemática do mercado financeiro faria diferença no preço se o risco ficasse sempre o mesmo (por exemplo: se temos duas ações que hoje custam R$ 10,00, sendo uma com Beta de 1 e outra de 1/2, se as duas empresas tiverem os mesmíssimos resultados financeiros a com Beta maior teria um valor maior?).

    Em resumo, sem fazer uma pesquisa mais a fundo (ainda), me parece que no longo prazo temos exemplos de empresas com Beta menor que um que renderam mais que o índice. Logo, alguém com uma carteira dessa teria superado a referência com menos volatilidade. Adicionalmente, qual o motivo científico/financeiro que embasa a afirmação de que mais Beta é igual a mais retorno?

    Pra completar, só como curiosidade: a revista inglesa “Investors Chronicel” mantem uma ranking de ações escolhidas por critérios “cegos”, como por exemplo as “com mais Beta nos últimos N períodos”, as com menos, e assim há alguma carteiras. Comparado com o índice inglês, as com menos Beta têm um retorno maior que o índice e muito maior do que as com mais Beta.

    Obrigado pela atenção. Abs.

    1. Caro Fernando

      Você colocou bons pontos. Mas o artigo não diz que as ações de beta alto são as melhores apenas diz que a carteira deve ser balanceada tendo ações com betas altos e baixos. Ter, por outro lado, uma carteira somente com betas elevados é cometer o mesmo erro de ter uma carteira composta apenas por ações defensivas.

      Quanto ao ponto que você colocou de que ações com beta baixo tiveram boa performance no curto pazo, você tem razão. Os motivos foram os seguintes, na minha opinião:

      (i) tivemos um mundo sob recessão no período, confirmando a teoria de que nesses momentos ações de baixo beta se beneficiam;

      (ii) a maior crise desde 1929 o que aumentou e muito a aversão ao risco. Como os investidores institucionais têm que estar posicionados em ações, pois esse é o seu mandato, houve um aumento por ações com maior previsibilidade do resultado e com atividades no mercado doméstico. Contudo não há no mercado acionário brasileiro muitas ações com liquidez e com essas características. E aí a lei da oferta (quantidade de ações) e demanda (por esses papéis) falou mais alto, gerando um aumento fora do normal do preço de alguns papéis. Ações passaram a negociar com P/L superior a 25 vezes o que é raro na história. Esse fato, na minha opinião, se deveu mais a uma situação circunstancial do que apenas a qualidade das companhias. E não significa que esse padrão será vitorioso no futuro. Todo cuidado é pouco.

      Há momentos nos quais prevalecerão uma ou outro tipo de ações. Por isso, ter uma carteira diversificada é o ideal. Essa foi a mensagem do post e não a esolha preferencial por ações de beta alto ou baixo.

      Abraço

      André Rocha

  3. Muito boa essas explicações, mas o investidor deve ficar alerta pois em mercado de risco nada é 100% certo ou errado.
    O ideal é traçar uma estrategia de acompanhar o desempenho e corrigindo sempre que achar necessario.
    Se vc tiver um carteira diversificada com 70% de acerto (alta) vc tem chance de obter bons resultados deste que a alocação de recursos em cada ação seja igual.
    Parabéns Andre pór provocar com seus comentários debates que podem orientar investidores na condução de seus negócios.

  4. Mesmo eu (mero poupador) sem conhecimentos (ainda) na área entendi com clareza os apontamentos.

    Obrigado André por atender a leitores experientes na área e meros mortais como eu. Continue assim nos seus textos.

    @Fernando Lameirinhas
    Se tu aprende com o André eu aprendo com vocês dois =)

  5. Caro André,
    Como você bem colocou, o Beta indica o “risco” de uma ação em relação a um índice acionário mais amplo, mas isso tem mais a ver com a volatilidade do ativo na janela em que o Beta é calculado do que com a sua rentabilidade em relação ao referido índice no longo prazo.
    Se observamos as caretiras de ações dos bons gestores, elas têm Betas relativamente baixos, entre 0.50-0.70, e consistentemente estão, no longo prazo (algumas há mais de dez anos), entregando resultados muito superiores aos índices de ações.
    Mas é claro, no curto prazo elas caem menos na baixa e sobem menos na alta.
    Obrigado por sua atenção e abraços.

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