Após anos de forte recessão, o mercado de capitais brasileiro ensaia uma recuperação cíclica. Contudo, algumas tendências podem mitigar essa melhora. Várias companhias brasileiras mostram desinteresse pela bolsa brasileira, preferindo listar suas empresas nos EUA. Além disso, operações societárias polêmicas têm colocado a governança corporativa das empresas brasileiras em jogo.
A varejista eletrônica Netshoes e a companhia de meios de pagamento PagSeguro escolheram a Nyse (The New York Stock Exchange) , enquanto a empresa de sistema de ensino Arco Educação e a de meios de pagamento Stone elegeram a Nasdaq para abrirem seu capital. Todas essas companhias têm algum vínculo com as novas tecnologias.
Na última semana, o Valor publicou que a plataforma de investimento XP cogita abrir seu capital na Nasdaq. As duas principais razões para a XP escolher a bolsa estadunidense são: a possibilidade de obter uma melhor precificação comparada à que seria obtida no mercado brasileiro e a emissão de uma classe der ações com poderes políticos anabolizados o que permitiria manter o controle com fatia reduzida do capital total.
Estruturas de capital na qual determinada classe de ações possui poder de voto ampliado são comuns nos EUA. Por exemplo, as ações classe B da Berkshire Hathaway, holding de investimentos de Warren Buffet, possuem 1/10.000 do direito de voto da classe A. Estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica que um dos motivos para um controlador ter restrição para listar sua companhia na bolsa é a possibilidade de perder o controle do negócio. Superar essa visão é um desafio para a bolsa brasileira, pois no país há restrições legais para a emissão de ações com “supervoto”. A Lei 6.404/76 limita a quantidade de ações sem direito a voto para as companhias novatas a 50% do capital total.
Considerando que o crescimento do mercado está intrinsicamente ligado à chegada de empresas de tecnologia, a perda dessas companhias para outras bolsas pode significar a estagnação do mercado local.
A B3 está preocupada com o tema como pode se perceber pela entrevista do seu presidente, Gilson Finkelsztain, dada ao Valor na última semana. A questão da existência de classes com direito ampliado de voto é uma questão legal que depende do Congresso. Logo de mais difícil solução. De imediato, Finkelsztain está preocupado com as “arbitragens regulatórias”. Stone e PagSeguro possuem sede no exterior, embora suas operações estejam no Brasil. Empresas com essas características são impedidas de serem listadas no país. A CVM busca proteger os investidores, pois a autarquia brasileira não teria competência para atuar caso houvesse qualquer querela societária.
Além da fuga de companhias brasileiras, a CVM flexibilizou as regras para os fundos de investimentos locais poderem aplicar no exterior desde que essa alternativa conste em seus regulamentos. A partir de 2015, os fundos em geral passaram a poder aplicar até 20% do seu patrimônio em ativos no exterior. Para fundos nos quais só haja investidores qualificados esse limite sobe para 40%. Para fundos que se denominem “investimentos no exterior” esse montante pode alcançar a totalidade do patrimônio. Assim, o gestor brasileiro já possui a alternativa de “drenar” recursos que antes seriam aplicados na bolsa brasileira para o exterior. Caso não haja novas listagens no país, essa tendência de investir no exterior tende a se intensificar.
Mas não são apenas esses dois temas que podem abortar a recuperação do mercado de capitais local. Operações societárias controversas têm posto a governança corporativa das companhias brasileiras em discussão como discutido nos dois artigos dessa coluna em outubro.
A solução não é simples. Certo é que ela não passa por medidas protecionistas. A CVM tem como objetivo a proteção do investidor, mas essa missão não pode prejudicar a livre iniciativa. O norte deve ser a de que uma economia sustentável e robusta necessita de um mercado de capitais fortalecido e dinâmico.
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