As empresas que vêm acessando a Bolsa de Valores têm apresentado características diferentes das empresas já listadas. Esse fenômeno não é novo. É resultado da migração de uma sociedade industrial para uma pautada no conhecimento. Como isso afeta o trabalho dos analistas?
No artigo já antigo “Disappearing dividends: changing firm characteristics or lower propensity to pay?”, o prêmio Nobel Eugene Fama e o economista Kenneth French já indicavam que alterações substantivas aconteciam nas novas empresas americanas. Em 1978, 66,5% das companhias listadas pagavam dividendos. Já em 1999, esse percentual havia caído para 20,8%. Segundo os autores, grandes empresas com rentabilidade alta e menor montante de investimentos a serem executados são mais propensas a pagar dividendos. Contudo, eles constataram que as companhias que vinham acessando o mercado acionário possuíam características opostas: eram pequenas, de baixa rentabilidade e com investimentos robustos.
Dentre as novas listadas, 50,8% pagavam dividendos entre 1963 e 1977. Essa proporção se reduziu para 9,0% entre 1978 e 1999 e para apenas 3,7% em 1999, provavelmente consequência do boom de empresas de tecnologia no período.
A rentabilidade das pagadoras de dividendos, considerando-se o lucro líquido sobre o patrimônio, era maior do que o dobro das não pagadoras, 12,75% contra 6,15%. Além disso, até 1978, 90% das novas companhias que adentravam a bolsa eram lucrativas. Esse percentual havia caído para 51,5% em 1998.
Empresas pequenas, em tese, apresentarão crescimento de rentabilidade nos anos futuros conforme seus investimentos correntes produzam resultados. Por isso, é natural que apresentem menor rentabilidade do que empresas maduras. Por outro lado, companhias com essas características possuem maior risco, pois muitas não conseguirão entregar os resultados prometidos. Seus investimentos atuais podem não se mostrar produtivos no médio prazo.
Embora o estudo tenha tempo, as novas companhias que buscam as bolsas no momento continuam tendo as características citadas por Fama e French. Várias empresas de destaque na economia americana são do setor tecnológico, cujas histórias são de crescimento: investimentos no presente para aumentar a base de usuários, diluir custos fixos e, por fim, aumentar a rentabilidade.
Essas empresas necessitam de uma análise diferenciada. Elas ainda apresentam prejuízo o que inviabiliza o uso do múltiplo P/L (preço por lucro). Mesmo as que apresentam lucro, esse ainda é tímido, o que distorce o múltiplo.
Essas companhias não são intensas em ativos fixos. Os gastos relevantes são em processos, pesquisa e desenvolvimento. O principal “ativo”, o capital intelectual, é despesa, logo não transita no patrimônio líquido (vide artigo “Contratar o Einstein é custo ou investimento?”). Logo o valor patrimonial tende a ser baixo comparado ao valor de mercado o que inviabiliza outra métrica: o P/VPA (preço por valor patrimonial por ação).
Como essas empresas não pagam dividendos, o retorno do investidor fica restrito ao ganho de capital: a diferença entre o preço de venda e o de compra da ação. Logo, outro indicador, o “dividend yield” (dividendo por ação dividido pelo preço da ação) perde funcionalidade.
As tecnologias disruptivas inserem um grau de incerteza ainda maior às projeções, tornando a analise por fluxo de caixa descontado ainda mais problemática.
Na falta das métricas tradicionais, a análise hoje, mais do que nunca, precisa incorporar abordagens qualitativas: capacidade dos administradores, estratégias de crescimento, relação com clientes (fidelização) e fornecedores, governança corporativa …
Tal como em diversas outras profissões, o analista de investimento está sob pressão. Precisa se reinventar, pois do contrário morre.
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