As ações da operadora de saúde Qualicorp (QUAL3) apresentaram queda de 29,4% na última segunda. A companhia assinou um contrato de não competição com seu Presidente e acionista indireto no valor de R$ 150 milhões por um período de seis anos. Onde os analistas de mercado erraram? Como os investidores podem se precaver sobre riscos à governança?
Muitos participantes do mercado acreditam que a avaliação das companhias se resume a uma análise quantitativa focada na matemática financeira. Contudo, uma análise completa precisa levar em conta outros ramos de conhecimento como o Direito Societário no qual está inserida a governança corporativa. Já havia abordado essa limitação na análise das companhias no artigo “A Análise fundamentalista negligencia o direito societário” de 2011.
A queda das ações da Qualicorp prejudicou significativamente a rentabilidade dos fundos de algumas gestoras importantes, indicando que a análise das questões relacionadas à governança da operadora de saúde não mereceram a devida atenção.
Segundo o fato relevante divulgado pela companhia, mediante o pagamento de R$ 150 milhões e por um prazo de seis anos, José Seripieri Filho, presidente e acionista, se obrigou a não competir com os negócios da companhia e manter cerca de 5% do total das ações da empresa. Atualmente, ele detém indiretamente 15% do capital total via L2 Participações. Segundo o documento, “o mercado de atuação da companhia está em momento de forte transformação e o Conselho de Administração entendeu essencial contratar alinhamento estratégico e de longo prazo com o acionista” e o contrato “agrega significativo valor ao negócio”. A operação foi aprovada por “unanimidade de todos os membros do Conselho de Administração, à exceção do acionista que não participou das ou interveio nas discussões”. O valor foi definido, segundo o comunicado, por consultorias externas.
O mercado reagiu negativamente à notícia com queda de 29,4% em apenas um dia ou perda de R$ 1,4 bilhão em valor de mercado. Esse valor dá uma mostra de quanto vale a governança. Caso o mercado considerasse essa operação como corriqueira, sem impacto no valor futuro da empresa, a queda do valor de mercado seria de apenas R$ 150 milhões: o montante exato do valor pago ao Presidente. Na realidade, sendo preciso, a queda deveria ser menor, pois essa despesa reduz a base de cálculo do Imposto de Renda, diminuindo o tributo a ser pago. Contudo, como a quebra da governança reduz o valor da empresa no longo prazo dado o conflito de interesses entre minoritários e executivos, o mercado puniu a companhia com uma perda de quase dez vezes maior do que o montante negociado. Alguns especialistas alegaram que o presidente da companhia já possuía o dever fiduciário de não competir com a companhia da qual era executivo. Logo o pagamento seria descabido. Outros disseram que o acordo embute um prêmio de controle camuflado.
O formulário de referência das companhias abertas possui um capítulo relacionado a transações com partes relacionadas (item 14). Companhias comprometidas com a boa governança corporativa, em regra, possuem políticas próprias para contratos entre a empresa e partes relacionadas (controladores, empregados, administradores). Contudo boa parte das empresas, no capítulo dedicado ao assunto, apenas repetem trechos já definidos na Lei 6.404/76, indicando um possível descuido sobre o tema. A Qualicorp utiliza um texto padrão: “A companhia não possui regras e práticas formais de realização de transações com partes relacionadas, pois consideramos que os critérios legais previstos na Lei da Sociedade por Ações são suficientes para coibir abusos entre a companhia, seus eventuais controladores e suas respectivas partes relacionadas”. Uma análise preliminar do formulário de referência já demonstra como as companhias se preocupam dobre o assunto.
O mercado de capitais brasileiro avançou muito no tema governança corporativa nos últimos anos. Contudo, operações recentes – Hypermarcas, Oi, JBS, OGX e outras – indicam que temos muito a avançar. Enquanto isso, cabe a nós analistas levarmos o tema a sério e não ficarmos preocupados apenas sobre a estimativa do lucro do próximo trimestre.
Obs: O título da coluna é um trocadilho da frase dita por Mario Henrique Simonsen, ex-Ministro da Fazenda: “A inflação aleija, mas o câmbio mata”.
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