O soberano

Quem é o todo poderoso em uma grande cidade? O prefeito, o prefeito responderia de imediato a maioria. O chefe do tráfico, o Zé Pequeno da ocasião, diriam os pessimistas. Já os esportistas chutariam ser o craque de um grande time. Todos errados. O manda chuva atual é o pedestre.
O pedestre, pergunta surpreso o leitor. Sim, o pedestre, aquele que anda ou está a pé segundo o dicionário. Um amigo acha ser o ciclista. Mas não. Foi falta de desatenção de meu colega. O ciclista não é outro personagem. É o mesmo. É apenas um pedestre travestido, fantasiado com uma bicicleta. É como Carlitos e Chaplin, a mesma pessoa.


Por que o pedestre está com a coroa e o cetro? Leis abundam em seu nome – tintas brancas são pintadas em cada esquina, ruas fechadas, vias exclusivas criadas, tudo para seu bem estar.
O prefeito já decretou quer ver as pessoas indo de bicicleta ao trabalho. Vislumbro uma oportunidade econômica, uma deixa aos empreendedores. Com a ausência de chuveiros no local da labuta, há espaço para a venda de desodorantes.  Os incentivos aos ciclistas são tão grandes que me surpreendo por não termos ainda um campeão olímpico.
Mas como em todo reino, há uma bruxa maligna. Nesse caso são os motoristas.
Em frente a uma faixa branca, o motorista sempre do mau pensa atropelo ou espero a colisão do carro que vem atrás. Prefere pagar multa. Tsc, tsc são murmurados nas ruas. Olhares de reprovação são atirados sobre esses seres malignos.
Mas a vida real não é Hollywood. Ninguém é totalmente mau ou bom. O maniqueísmo não existe.
Outro amigo, um dia me falou:
– Andre, preciso te contar uma coisa.
-Fale.
– Não, em público, não.
Estávamos a frente de um bar e ele me levou para a última mesa, longe dos olhares dos garçons, perto da cozinha. Entre o cheiro de gordura, me disse:
– Os pedestres não são seres do bem.
– Como não, lava essa boca!
– Eu vi um deles pegando ônibus.
– Não acredito!
– Vi outros usando carros também.
Desolados, baixamos a cabeça.