Saltou sobre imensas poças após o banho. Saiu ilesa do banheiro, mas ao levar a toalha à área deparou com um cenário desolador: louça por lavar, lixo por esvaziar, cama por arrumar. A casa e ela eram um só. Necessitava sair dali, não podia ligar, se rebaixar. Pegou Totó no colo, mas demorou a encontrar a chave do carro. Estava entre os jornais espalhados no chão da sala, junto ao abajur. Abriu a porta, o elevador já esperava. Desceu. Uma senhora gorda entrou no primeiro andar. Bom dia! Respondeu levantando a bochecha, longe de ser um sorriso.
Mal virou a esquina, o céu caiu. O limpador teve dificuldade de fazer seu trabalho. Pensou em parar e se encharcar. A aluvião não levaria para longe o seu cérebro, desistiu. Totó se dividia entre ela e o medo da chuva. Para acalmá-lo e se acalmar desandou a falar: “Você é feliz, rói osso desde pequeno. Nós, humanos, comemos chuchu a maior parte do tempo, mas nos enganam. Nos fazem acreditar que vamos comer camarão, caviar, é só questão de tempo. O tempo passa e o prato servido continua o mesmo: chuchu. Isso cansa. Como o prato nobre nunca chega, buscamos outra pessoa para dividir o chuchu. Comer sozinho é chato. A pessoa chega. No início, o chuchu ganha graça, parece que tem mais molho, mas com o tempo o chuchu volta a ser chuchu. Até que um dia o outro leva embora até o chuchu. Nem mais chuchu temos”. Totó mantém a orelha de pé, espera escutar de novo a palavra osso. O carro, já na estrada, avança sobre poças não muito diferentes das deixadas no banheiro. O monólogo prossegue como a vida: “Compramos novo chuchu e o ruminamos a espera que outro o refogue . Vivemos em círculo, o homem é o planeta, o chuchu é o sol. Não há saída. Prisioneiros nessa constelação onde o astro-rei é o chuchu”. O tanque pedia combustível e Totó, água. Parou. Ao se dirigir a lanchonete, cruzou com alguém interessante. Os olhos o evitaram. Mas lembrou-se da conversa com Totó. Quem sabe não estava ali um bom cozinheiro?