Só com curto prazo não se chega longe

Warren Buffett, o cultuado investidor americano, e Jamie Dimon, CEO do JP Morgan Chase, escreveram recentemente um artigo no The Wall Street Journal criticando o foco das companhias no fornecimento de estimativas trimestrais o que poderia prejudicar a geração de valor no longo prazo para os acionistas.

Ao longo da carreira já havia percebido esse problema e o mencionado em artigo de 2011 no Valor Econômico.

Como os administradores podem causar danos às companhias ao valorizarem demasiadamente os resultados trimestrais? Quem mais pressiona às empresas em busca de estimativas trimestrais? É possível obter ganhos operando os resultados trimestrais? O que diz o Professor Damodaran?

No artigo “Short-termism is harming the economy”, Buffet e Dimon lançam uma cruzada contra a divulgação de estimativas trimestrais. Essa preocupação afastaria as companhias das “estratégias de longo prazo, crescimento e sustentabilidade”. Com a meta de apresentar melhores resultados trimestrais a governança corporativa também seria prejudicada. Os administradores sacrificam despesas e investimentos necessários em tecnologia, pesquisa, marketing e contratações para atender metas de curto prazo. E essas medidas podem ser inócuas, pois resultados de curto prazo podem ser afetados por eventos alheios à empresa como preço das commodities, clima e volatilidade do mercado.

Essa cobrança do mercado, especialmente vinda dos analistas de corretoras (“sell side”) segundo Dimon, tem contribuído para reduzir o número de empresas abertas nos Estados Unidos nas últimas duas décadas. As companhias estariam fugindo da ditadura do curto prazo ditada pelo mercado. Algumas empresas como a Dell Computers preferiram fechar o capital para seguirem suas estratégias sem o escrutínio diário dos analistas. A Tesla de Elon Musk parece estar analisando tomar o mesmo caminho.

Os autores não defendem que as empresas deixem de divulgar seus resultados trimestrais, pois afetaria a transparência, mas apenas as estimativas de curto prazo. Contudo deixam aberta a possibilidade de as empresas definirem a frequência mais adequada para divulgação dos resultados desde que atenda suas estratégias e aos interesses de seus investidores.

O tema gerou tanta discussão nos meios empresarias americanos que, além do artigo, os dois deram entrevista à rede CNBC.

Dimon citou o sell side como o principal interessado na divulgação dos resultados trimestrais. Não há dúvidas. Como disse no artigo de 2011, parte da receita das corretoras advém da corretagem. Logo, os resultados trimestrais são um bom argumento usado pelas corretoras para os clientes realizarem operações de compra e venda, alavancando os ganhos com corretagem. Mas há outro ator pouco mencionado: a imprensa. A obtenção de assuntos para serem publicados é uma tarefa árdua e os resultados trimestrais “facilitam” o trabalho dos jornalistas, pois são uma pauta praticamente pronta e com regularidade.

Sabemos então que o curto prazo atende às corretoras e aos jornalistas. E aos investidores?

Nove a cada 10 investidores declaram poupar para o longo prazo e a maioria dos analistas declaram ser fundamentalistas. Considerando que esses realizem estimativas com base na projeção de fluxo de caixa para um horizonte de dez anos, um mero trimestre representa apenas 2,5% do período da análise (1 trimestre dividido por 40 trimestres) mesmo desconsiderando a perpetuidade.

Mas investidores de curto prazo como fundos multimercado conseguem ganhar dinheiro tentando acertar os resultados trimestrais? Segundo estudo do Professor Aswath Damodaran citado por mim em artigo de 2012, o preço das ações pode subir em média até 3% após surpresas positivas. O estudo mostra ainda características interessantes: (i) ações que estejam mais depreciadas em termos de múltiplos P/L (preço por lucro) e P/VPA (preço por valor patrimonial) tendem a se apreciar mais; (ii) empresas de menor capitalização (“small caps”) reagem melhor a surpresas positivas e (iii) o impacto no preço é maior quando a base acionária está concentrada nas mãos de investidores institucionais. Contudo, como o próprio Damodaran admite, não é fácil obter lucros nessas operações, pois o ganho relativo é pequeno e pode ser devolvido em perdas com outras operações.

Assim, o foco no curto prazo compromete a sustentabilidade das companhias, afetando a economia como um todo ao prejudicar o crescimento e a criação de empregos. Além disso, os investidores também parecem não se beneficiar ao adotar essa estratégia.

Segundo as finanças comportamentais, existe uma tendência de o indivíduo buscar informações que ajudem a corroborar suas crenças iniciais. Esse viés cognitivo é chamado de viés confirmatório. Posso estar cometendo esse erro. Mas, mesmo assim, é bom saber que minhas reflexões advindas da experiência em gestoras e corretoras são suportadas por expoentes como Buffett e Damodaran.

 

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3 Comentários

  1. Como de praxe, as empresas de capital aberto, por pressão do mercado e investidores, se preocupam apenas com o lucro de curto prazo, ignorando a geração de valor e a sustentabilidade do negócio. Além de ruim em termos de sustentabilidade, esse senário é desfavorável a um ambiente empresarial salubre, já que executivos e colaboradores dessas empresas vivem sob constante pressão por resultados em curto prazo.

    Ótimo artigo André, meus parabéns.

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